(Saulo Barreto Lima – Bisneto de Amâncio Correia
Lima)
Já estava no final das
minhas férias, em janeiro de 2014, quando resolvi concretizar um sonho recente:
conhecer a cidade de Crateús no Ceará. Já havia passado bons aos bocados no
nosso sítio Antonio Amâncio, na cidade de Ubajara, situada na verdejante e
encantadora Serra da Ibiapaba. Meu paladar ainda se desfazia das doces lembranças
do saboreio de rapadura, manga, jaca e tangerina, em meio a um clima de baixas
temperaturas, avigorado pelas constantes ocorrências de chuvas, neblinas e
ventanias. Além disso tudo, tive a oportunidade de xerocar uma coletânea de 5
livros do escritor e irmão de meu avô Antonio Amâncio, Raimundo Raul Correia
Lima, gentilmente cedidos por seu filho, Luís.
O
fator determinante para conhecê-la, apesar de não ter “ninguém” lá, se deu por
conta da necessidade de resgatar uma certidão de nascimento do meu bisavô
Francisco das Chagas Barreto, também nascido naquela urbe, quando esta ainda
mantinha a categoria de Vila Príncipe Imperial. Esse documento iria compor a
recente obra produzida por meu primo, o Poeta do Becco, César Barreto Lima e
Marcelo Barreto Alves, chamada de “Um Varão de Plutarco: A Saga de Chagas
Barreto Lima”. Infelizmente, não logrei êxito na tentativa resgatar tal
documento, apesar do apoio de muitos.
Pois
bem, estava na minha querida Teresina quando embarco no ônibus da empresa de
viagens Barroso, uma das únicas que fazia linha para Crateús. Depois, pude
entender bem o porquê da escassez de oferta. É que existe um trecho pelo lado
do Piauí onde a estrada, pasmem, ainda é de carroçal brabo. A viagem foi
tranquila. Pude me deparar com diferentes cenários do sertão piauiense marcado
pela ocorrência de grandes buritizeiros ao longo da estrada. Ao fim, ainda
podemos ver na descida, ao pé da serra, um lindo espetáculo natural de
imensidão verde. Percebi, também, a presença marcante de algumas protuberantes
formações rochosas e de vegetações típicas do sertão crateuense como cactos e
xiquexiques.
Uma
das cidades cortadas pelo nosso busão foi a peculiar cidade de Castelo do
Piauí. Não demorou muito para entender por que a cidade leva esse nome. Em toda
sua circunscrição, são vistas casas, a maioria revestida e murada com pedras.
Isso mesmo, por conta da abundância desse material, quase não se usa tijolos de
cerâmica por lá. Tudo é construído e levantado por enormes pedaços e mais
pedaços contínuos de pedras ornamentais do tipo gipsita de
corolação amarela escura, chamadas também de Pedra de Castelo.
Outro
motivo crucial de querer visitar essa cidade diz respeito à importância que ela
teve quando da constituição dos meus antepassados. O berço de toda minha linha
ascendente materna recente vem de Crateús. Entretanto, apesar da sua
importância nunca havia tido a oportunidade de conhecê-la melhor. De mochila
nas costas e com minhas economias depositadas no Banco do Brasil para custeio
da minha estadia, parto sem olhar para trás.
Hospedo-me
logo numa pousada, bem no coração da cidade, chamada de Crateús: Pousada e Restaurante.
Um local muito agradável, limpo, bem cuidado e o melhor de tudo, com um preço
de diária bastante convidativo. E é justamente nesse local onde as
coincidências vão acontecendo. O proprietário desse estabelecimento, é o
simpático senhor Raimundo Soares Dias, que por ventura conheceu muito bem meu
avô A. Amâncio. Pois
bem, logo na noite do primeiro dia, não poderia ter sido melhor, pois a cidade
estava em festa. Afinal de contas, estava sendo instalada uma placa no
monumento em comemoração aos 88 anos da passagem da Coluna Prestes por Crateús.
Isso ocorreu em pleno point cultural
da cidade, que fica a beira dos trilhos da antiga Estação de Ferroviária de
Crateús, ainda hoje, operante. Foi justamente nessa estação, que meu avô, ainda
menino, Antonio Amâncio fazia uns bicos, carregando as malas de alguns
passageiros. Foi nela também que ele embarcou rumo a Sobral para se casar com
sua eterna amada, minha avó Margarida.
Lá
também se concentram o espaço cultural de artes, o Teatro Rosa
Moraes, a Biblioteca Municipal Norberto Ferreira Filho e a prolífica Academia
de Letras de Crateús. Em paralelo, acontecia também, a inauguração de uma
Unidade de Pronto Atendimento (UPA) do Governo Federal, que contou com a
presença do governador Cid Gomes, do seu irmão, o secretário de Saúde Ciro
Gomes, do vice-governador Domingos Filho, do prefeito municipal
Carlos Felipe Saraiva Beserra e demais outras autoridades.
Voltando
a solenidade de Prestes, foi exibido um documentário sobre a Coluna, havendo em
seguida, a intervenção de uma primorosa banda de música, que tocou o hino da
cidade bem como um breve discurso de alguns escritores e autoridades. Logo lá,
tive a oportunidade de conhecer o poeta e presidente da Academia de Letras,
Raimundo Cândido Teixeira Filho (o Raimundinho) que com toda sua paciência e
parcimônia, me acolheu e me repassou dados importantes da sua tão estimada
cidade. Lá também conheci o simpático vice-prefeito municipal, o Dr.
Mauro Rodrigues, uma figura cativante com seu peculiar chapéu de couro
nordestino, que na ocasião logo me agendou uma visita em seu gabinete,
unicamente para me presentear com o livro comemorativo: Crateús 100 anos.
No
outro dia, logo cedo, passei pelos cartórios da cidade para ver se conseguia
sucesso no meu intento principal. Porém apesar de estar próximo de praticamente
todos os cartórios disponíveis a dificuldade era achar o tal documento, ou ao
menos algum registro de nascimento de Chagas Barreto. Essa dificuldade se deu
muito também por conta da histórica troca da cidade de Crateús (outrora
pertencente ao estado do Piauí) por Luís Correia (que era do estado do Ceará). Como
última tentativa, fui ainda à Paróquia da Igreja Matriz para ver se conseguia
seu registro de batismo, porém nada feito. Não havia nem registros da
documentação do período que eu aspirava. Essa troca de uma cidade pela outra
acarretou, à longo prazo, uma série de “desencontros arquivísticos”. Uma delas
foi o translado e guarda de documentos históricos. Muitos documentos de
Crateús, estão em poder da cidade de Oeiras, outra parte no Arquivo Público do
Piauí, muitos outros foram até perdidos. Conheci também, as dependências da
Academia de Letras de Crateús e sua biblioteca, do qual na pessoa do anfitrião
e escritor Raimundinho, foi feita muito bem as honras da casa. Ele destacou um
artigo dedicado no seu livro “Ribeira do Poty” aos meus outros bisavós, José
Amâncio e a Professora Amália. De forma escorreita e com uma condução primorosa
das palavras, ressalta no escrito, tanto a popularidade bem a constatação de
como o casal era muito bem querido pela cidade toda.
Lá ele ainda me revelou
acerca de um grande vulto da literatura brasileira quase-esquecido: o poeta José
Coriolano de Souza Lima considerado o “Príncipe dos Poetas” e fundador-patrono
da literatura piauiense. Graças ao esforço de um trineto, chamado Ivens
Roberto de Araújo Mourão, sua obra está sendo resgatada e divulgada. Inclusive,
Raimundinho me apresentou a relíquia da casa, que era o original incólume de
uma de suas poesias devidamente envidraçado. Depois desse banho
literário, tive a oportunidade de adquirir relevantes livros sobre a cidade de
sua autoria e de outros escritores. Dele, adquiri os livros “Ribeira do Poty -
Sertão de Cratheús: verso e prosa” e mais “Cratheús: do portão da feira aos
galos das torres”. Do outro escritor, o Sr. Flávio Machado e Silva, adquiri
“Crateús, lembranças que marcaram a história” e “Crateús, lembranças que
aquecem o coração”. No final da feira, ainda tomei guarda do livro “Marcha da
Coluna Miguel Costa: Prestes através do Ceará” do Pe. Geraldo Oliveira Lima, ou
Geraldinho, como carinhosamente é conhecido na região. Por fim, como cortesia
do templo letrado, Raimundinho ainda me presenteou com “Memória Póstumas de
Brás Cubas: Obra Transcendental e Filosófica” também de autoria do padre e a
“História dos Evangélicos em Crateús” do irmão Zacarias Alves Beserra.
Pois
bem, ao fim desses rápidos, mas muitos proveitosos três dias, ainda conheci e
fiz amizade com uma simpática filha da cidade, chamada Zulania. Muito gentil,
curiosa e solícita ela me convidou para aventurarmos em sua moto num passeio
incurso pela cidade através de outros prismas e olhares. Essa
foi uma viagem, de 72 foras, onde pude garantir com firmeza que houve 100% de
aproveitamento. Não houve, sequer, um mísero segundo desperdiçado. Num tempo
vago, ainda pude almoçar no Mercado Municipal da cidade, além de conhecer o
descuidado sepulcro do meu estimado bisavô José Amâncio Correia Lima. Ele era
poeta e idealizador do Museu Histórico de Crateús, inclusive dispondo daquela
que seria sua primeira peça de exibição: um antigo engelho, do ano de 1910, de
moer à bolandeira fabricado pelo primeiro autoforno da América Latina.
Esse projeto, segundo Raimundinho, está em andamento, mas em se tratando de bem de valor cultural e educacional, não sabemos até quando os operadores do Poder Público terão interesse de viabilizar tal empreitada. Essa foi a experiência marcante pelo qual passei. Essa que agora passa a ser uma das “minhas cidades”. Espero que seja primeira visita de muitas, pois tem um povo acolhedor, consciente do seu valor histórico-cultural do qual devem primar e preservar. Saí na certeza de que cada cidadão crateuense, é na verdade, um mecenas. Um soldado em defesa da sua história. Isso explica o porquê do chão dessa terra atrair, brotar e gerar tanta gente descente de enorme caráter e irrefutável valor humano.
Esse projeto, segundo Raimundinho, está em andamento, mas em se tratando de bem de valor cultural e educacional, não sabemos até quando os operadores do Poder Público terão interesse de viabilizar tal empreitada. Essa foi a experiência marcante pelo qual passei. Essa que agora passa a ser uma das “minhas cidades”. Espero que seja primeira visita de muitas, pois tem um povo acolhedor, consciente do seu valor histórico-cultural do qual devem primar e preservar. Saí na certeza de que cada cidadão crateuense, é na verdade, um mecenas. Um soldado em defesa da sua história. Isso explica o porquê do chão dessa terra atrair, brotar e gerar tanta gente descente de enorme caráter e irrefutável valor humano.
Até muito breve
Crateús!
Saulo Barreto Lima
Em: 25/01/2014
Não sei como cheguei até aqui, mas fiz a leitura por completo e agora vou desbravar outras histórias, ótimo!
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