sexta-feira, 7 de fevereiro de 2014

Visita à Crateús


(Saulo Barreto Lima – Bisneto de Amâncio Correia Lima)
Já estava no final das minhas férias, em janeiro de 2014, quando resolvi concretizar um sonho recente: conhecer a cidade de Crateús no Ceará. Já havia passado bons aos bocados no nosso sítio Antonio Amâncio, na cidade de Ubajara, situada na verdejante e encantadora Serra da Ibiapaba. Meu paladar ainda se desfazia das doces lembranças do saboreio de rapadura, manga, jaca e tangerina, em meio a um clima de baixas temperaturas, avigorado pelas constantes ocorrências de chuvas, neblinas e ventanias. Além disso tudo, tive a oportunidade de xerocar uma coletânea de 5 livros do escritor e irmão de meu avô Antonio Amâncio, Raimundo Raul Correia Lima, gentilmente cedidos por seu filho, Luís.                                                                                     
O fator determinante para conhecê-la, apesar de não ter “ninguém” lá, se deu por conta da necessidade de resgatar uma certidão de nascimento do meu bisavô Francisco das Chagas Barreto, também nascido naquela urbe, quando esta ainda mantinha a categoria de Vila Príncipe Imperial. Esse documento iria compor a recente obra produzida por meu primo, o Poeta do Becco, César Barreto Lima e Marcelo Barreto Alves, chamada de “Um Varão de Plutarco: A Saga de Chagas Barreto Lima”. Infelizmente, não logrei êxito na tentativa resgatar tal documento, apesar do apoio de muitos.                                                                                                                                    
Pois bem, estava na minha querida Teresina quando embarco no ônibus da empresa de viagens Barroso, uma das únicas que fazia linha para Crateús. Depois, pude entender bem o porquê da escassez de oferta. É que existe um trecho pelo lado do Piauí onde a estrada, pasmem, ainda é de carroçal brabo. A viagem foi tranquila. Pude me deparar com diferentes cenários do sertão piauiense marcado pela ocorrência de grandes buritizeiros ao longo da estrada. Ao fim, ainda podemos ver na descida, ao pé da serra, um lindo espetáculo natural de imensidão verde. Percebi, também, a presença marcante de algumas protuberantes formações rochosas e de vegetações típicas do sertão crateuense como cactos e xiquexiques.           
Uma das cidades cortadas pelo nosso busão foi a peculiar cidade de Castelo do Piauí. Não demorou muito para entender por que a cidade leva esse nome. Em toda sua circunscrição, são vistas casas, a maioria revestida e murada com pedras. Isso mesmo, por conta da abundância desse material, quase não se usa tijolos de cerâmica por lá. Tudo é construído e levantado por enormes pedaços e mais pedaços contínuos de pedras ornamentais do tipo gipsita de corolação amarela escura, chamadas também de Pedra de Castelo.                                                                                                                              
  Outro motivo crucial de querer visitar essa cidade diz respeito à importância que ela teve quando da constituição dos meus antepassados. O berço de toda minha linha ascendente materna recente vem de Crateús. Entretanto, apesar da sua importância nunca havia tido a oportunidade de conhecê-la melhor. De mochila nas costas e com minhas economias depositadas no Banco do Brasil para custeio da minha estadia, parto sem olhar para trás.                                                                                               
Hospedo-me logo numa pousada, bem no coração da cidade, chamada de Crateús: Pousada e Restaurante. Um local muito agradável, limpo, bem cuidado e o melhor de tudo, com um preço de diária bastante convidativo. E é justamente nesse local onde as coincidências vão acontecendo. O proprietário desse estabelecimento, é o simpático senhor Raimundo Soares Dias, que por ventura conheceu muito bem meu avô A. Amâncio.                                                                                                                                             Pois bem, logo na noite do primeiro dia, não poderia ter sido melhor, pois a cidade estava em festa. Afinal de contas, estava sendo instalada uma placa no monumento em comemoração aos 88 anos da passagem da Coluna Prestes por Crateús. Isso ocorreu em pleno point cultural da cidade, que fica a beira dos trilhos da antiga Estação de Ferroviária de Crateús, ainda hoje, operante. Foi justamente nessa estação, que meu avô, ainda menino, Antonio Amâncio fazia uns bicos, carregando as malas de alguns passageiros. Foi nela também que ele embarcou rumo a Sobral para se casar com sua eterna amada, minha avó Margarida.                                                                                  
Lá também se concentram o espaço cultural de artes, o Teatro Rosa Moraes, a Biblioteca Municipal Norberto Ferreira Filho e a prolífica Academia de Letras de Crateús. Em paralelo, acontecia também, a inauguração de uma Unidade de Pronto Atendimento (UPA) do Governo Federal, que contou com a presença do governador Cid Gomes, do seu irmão, o secretário de Saúde Ciro Gomes, do vice-governador Domingos Filho, do prefeito municipal Carlos Felipe Saraiva Beserra e demais outras autoridades.                                                                                                                                  
Voltando a solenidade de Prestes, foi exibido um documentário sobre a Coluna, havendo em seguida, a intervenção de uma primorosa banda de música, que tocou o hino da cidade bem como um breve discurso de alguns escritores e autoridades. Logo lá, tive a oportunidade de conhecer o poeta e presidente da Academia de Letras, Raimundo Cândido Teixeira Filho (o Raimundinho) que com toda sua paciência e parcimônia, me acolheu e me repassou dados importantes da sua tão estimada cidade. Lá também conheci o simpático vice-prefeito municipal, o Dr. Mauro Rodrigues, uma figura cativante com seu peculiar chapéu de couro nordestino, que na ocasião logo me agendou uma visita em seu gabinete, unicamente para me presentear com o livro comemorativo: Crateús 100 anos.                                                                       
No outro dia, logo cedo, passei pelos cartórios da cidade para ver se conseguia sucesso no meu intento principal. Porém apesar de estar próximo de praticamente todos os cartórios disponíveis a dificuldade era achar o tal documento, ou ao menos algum registro de nascimento de Chagas Barreto. Essa dificuldade se deu muito também por conta da histórica troca da cidade de Crateús (outrora pertencente ao estado do Piauí) por Luís Correia (que era do estado do Ceará).                                                                              Como última tentativa, fui ainda à Paróquia da Igreja Matriz para ver se conseguia seu registro de batismo, porém nada feito. Não havia nem registros da documentação do período que eu aspirava. Essa troca de uma cidade pela outra acarretou, à longo prazo, uma série de “desencontros arquivísticos”. Uma delas foi o translado e guarda de documentos históricos. Muitos documentos de Crateús, estão em poder da cidade de Oeiras, outra parte no Arquivo Público do Piauí, muitos outros foram até perdidos.                 Conheci também, as dependências da Academia de Letras de Crateús e sua biblioteca, do qual na pessoa do anfitrião e escritor Raimundinho, foi feita muito bem as honras da casa. Ele destacou um artigo dedicado no seu livro “Ribeira do Poty” aos meus outros bisavós, José Amâncio e a Professora Amália. De forma escorreita e com uma condução primorosa das palavras, ressalta no escrito, tanto a popularidade bem a constatação de como o casal era muito bem querido pela cidade toda.                                        
Lá ele ainda me revelou acerca de um grande vulto da literatura brasileira quase-esquecido: o poeta José Coriolano de Souza Lima considerado o “Príncipe dos Poetas” e fundador-patrono da literatura piauiense. Graças ao esforço de um trineto, chamado Ivens Roberto de Araújo Mourão, sua obra está sendo resgatada e divulgada. Inclusive, Raimundinho me apresentou a relíquia da casa, que era o original incólume de uma de suas poesias devidamente envidraçado.                                                                        Depois desse banho literário, tive a oportunidade de adquirir relevantes livros sobre a cidade de sua autoria e de outros escritores. Dele, adquiri os livros “Ribeira do Poty - Sertão de Cratheús: verso e prosa” e mais “Cratheús: do portão da feira aos galos das torres”. Do outro escritor, o Sr. Flávio Machado e Silva, adquiri “Crateús, lembranças que marcaram a história” e “Crateús, lembranças que aquecem o coração”. No final da feira, ainda tomei guarda do livro “Marcha da Coluna Miguel Costa: Prestes através do Ceará” do Pe. Geraldo Oliveira Lima, ou Geraldinho, como carinhosamente é conhecido na região. Por fim, como cortesia do templo letrado, Raimundinho ainda me presenteou com “Memória Póstumas de Brás Cubas: Obra Transcendental e Filosófica” também de autoria do padre e a “História dos Evangélicos em Crateús” do irmão Zacarias Alves Beserra.                                                            
Pois bem, ao fim desses rápidos, mas muitos proveitosos três dias, ainda conheci e fiz amizade com uma simpática filha da cidade, chamada Zulania. Muito gentil, curiosa e solícita ela me convidou para aventurarmos em sua moto num passeio incurso pela cidade através de outros prismas e olhares.                                Essa foi uma viagem, de 72 foras, onde pude garantir com firmeza que houve 100% de aproveitamento. Não houve, sequer, um mísero segundo desperdiçado. Num tempo vago, ainda pude almoçar no Mercado Municipal da cidade, além de conhecer o descuidado sepulcro do meu estimado bisavô José Amâncio Correia Lima. Ele era poeta e idealizador do Museu Histórico de Crateús, inclusive dispondo daquela que seria sua primeira peça de exibição: um antigo engelho, do ano de 1910, de moer à bolandeira fabricado pelo primeiro autoforno da América Latina.                  
Esse projeto, segundo Raimundinho, está em andamento, mas em se tratando de bem de valor cultural e educacional, não sabemos até quando os operadores do Poder Público terão interesse de viabilizar tal empreitada. Essa foi a experiência marcante pelo qual passei. Essa que agora passa a ser uma das “minhas cidades”. Espero que seja primeira visita de muitas, pois tem um povo acolhedor, consciente do seu valor histórico-cultural do qual devem primar e preservar. Saí na certeza de que cada cidadão crateuense, é na verdade, um mecenas. Um soldado em defesa da sua história. Isso explica o porquê do chão dessa terra atrair, brotar e gerar tanta gente descente de enorme caráter e irrefutável valor humano.
Até muito breve Crateús!            
Saulo Barreto Lima
Em: 25/01/2014


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