domingo, 31 de julho de 2011

DISCURSO DE SAUDAÇÃO AOS NOVOS ACADÊMICOS DA ALC

Autoridades que compõem a mesa,
Senhoras e Senhores,


Meu cordial Boa Noite!

Contam que, seis séculos antes de Cristo, lá pelas montanhas do Oriente, onde tudo nasceu, viveu um ser fulgurante chamado Lao-Tsé.  Lao significa "criança, jovem, adolescente". Tsé é o fluxo de muitos nomes chineses, que quer dizer "idoso, maduro, sábio”. Lao-Tsé, o "jovem sábio", o 'adolescente maduro", foi contemporâneo de Kung Fu Tsé, o Confúcio, de quem foi discípulo. Era guardião dos arquivos do Tribunal Imperial Chinês e atraiu muitos seguidores com sua sabedoria, embora sempre haja se recusado a fixar suas idéias por escrito, por temer que as palavras pudessem cair na vala comum do formalismo dogmático.

Octogenário e desiludido com as pessoas da sua terra - que estavam pouco dispostas a seguirem o caminho da bondade natural - rumou para o Tibet, na fronteira ocidental de China, quando foi reconhecido por um guarda. Este lhe lembrou que possivelmente todos os seus ensinamentos logo migrariam para o esquecimento se alguma coisa não ficasse gravada, e só permitiu que ele deixasse a China após escrever seus ensinamentos básicos, a fim de que pelo menos parte de seu conhecimento pudesse ser preservada para a posteridade. Atendendo ao pedido do guarda, de uma só vez Lao Tsé redigiu (reza a lenda que escreveu numa grande pedra) a coletânea dos 81 versos que se tornariam a síntese de sua sabedoria, que entrou para a história sob o nome de Tao Te Ching (O Livro que revela Deus) e é, ao lado da obra de Krishina e de Jesus, uma das três mais importantes mensagens da humanidade. Diz ele no segundo poema:

 “O fácil e o difícil se completam.
O grande e o pequeno são complementares.
O alto e o baixo formam um todo.
O som e o silêncio formam a harmonia.
O passado e o futuro geram o tempo”.

Segundo Huberto Rohden, Lao-Tsé nos ensinou a grande lei da bipolaridade do Universo e de todas as coisas. Nada é somente o Uno, e nada é somente o Verso - tudo é Universo, unidade na diversidade, equilíbrio dinâmico, harmonia cósmica.

Modestamente opino, senhor Presidente, que o sucesso da nossa Academia, grêmio literário em plena maturidade juvenil, repousa no fato de ser uma peça de renda única tecida com os fios coloridos do algodão da diversidade. Seu piso é um tablado constituído de mosaicos distintos. A poesia popular, filete natural, fonte cristalina, representada dentre outros por Lucas Evangelista e Dideus Sales, caminha de mãos dadas com a mais apurada erudição de um Padre Geraldinho, por exemplo.  Embora com pouco mais dois anos de idade, seus passos firmes já se fazem sentir em todos os quadrantes da nossa urbe. Já temos um sítio na internet (www.academiadeletrasdecrateus.blogspot.com) que, aliás, é extremamente prestigiado. A nossa roça de escrituras já exibe mais de dez obras publicadas no espaço de apenas dois anos, algo nunca ocorrido em nossa cidade.  Alguns dos nossos integrantes foram premiados em certames estaduais e até nacionais. A participação nos mais diversos eventos culturais da cidade é outro diferencial.

Pois bem, é nessa esteira que hoje, noite estrelada e memorável, abrimos os portões invisíveis das nossas almas, cedendo aos movimentos de lustre dos nossos corações, para fazer luz aos neófitos que serão iniciados em nossa oficina de prosa e verso.

E, como bons cavalheiros, todos de chapéu na mão, nos perfilemos para receber primeiro as damas.

Tiro o chapéu inicialmente para Ana Cristina do Vale Gomes. Ela já devia estar aqui desde a fundação. Não faltou quem estranhasse. Sua ausência foi sentida. Houve até o petardo da censura: - a Ana não faz parte da Academia? Esclareço: ela foi uma das primeiras convidadas. Razões de foro íntimo a impediram de se banhar nas nossas primeiras águas batismais. Hoje ela o faz. Escritora com doze livros publicados, sacerdotisa da pedagogia, insufladora da flora educacional, empresária do setor livreiro, chega em nosso círculo com suas dinâmicas de grupo, com seu repertório de idéias criativas, juntando os pedaços das palavras para bradar, da cadeira do vulcânico poeta Paulo Leminski, que sua profissão de febre é a literatura.   


Como poderei verbalizar para os presentes a doce leveza, o suave encantamento da dona Cheyla Mota? Recordo-me dela, garota delicada, morando no entorno da nossa Catedral e embriagando de sorriso e paciência as tardes da praça da matriz. Dos bancos das nossas escolas tradicionais – Lourenço Filho, Pio XII, Escola de Comércio – foi tomar assento nas faculdades da Capital e lá se fez Pedagoga, Psicopedagoga e, com louvor, escritora. É articulista da nossa Gazeta do Centro Oeste. Autora do romance A Saga de Will. Sobre Cheyla, bem conceituou a doutora em filosofia Silvia Leão: “Quem diria...Tímida, reservada, em esforço constante de não aparição! Esforço inútil, pois a beleza dela resplandece naturalmente, Da aparência à essência, a beleza dela resplandece”. Alma generosa, foi arrastada por essa misteriosa força de afinidade arrebatadora chamada amor e, ao lado do consorte Isaac Furtado, experimenta o mel da cana-de-açúcar que se ergue no solo fértil do progresso literário.

A terceira dama que engalana a nossa festa é Karla Gomes. Todos a conhecem por seus dotes cênicos, pela elegância dos seus gestos, flor entre cristais, caminhando como quem desfila. Todos batem palmas para sua desenvoltura como atriz, diretora e produtora. Todos admiram sua dedicação militante à cultura da nossa terra, como co-fundadora da Companhia de Teatro Os Cara da Arte e presidente da Sociedade Amigos da Biblioteca Municipal Norberto Ferreira Filho. Hoje trazemos à ribalta sua Certidão Poética e divulgamos seu parentesco lírico. Faço minha a trova do confrade Raimundo Cândido:

Por onde te escondias, poetisa?
O tempo passava e a gente te via
por ai, toda arte e prosa, toda rosa,
mas nada do que agora mostras: poesia!!!

Aplaudamos a pedagoga e poetisa Antonia Karla Bezerra Gomes.

Saudemos agora os cavalheiros. Começo por um que foi meu contemporâneo de adolescência: José Rodrigues Neto. Era um cabra meio envolto em si mesmo, tipo cientista, absorto no próprio mundo, como se vivesse a calcular e esquadrinhar a raiz de tudo. Depois descobrimos a razão da sua introspecção. Graduou-se em Ciências. Virou matemático. Psicopedagogo. Professor da Universidade Estadual Vale do Acaraú-UVA. Brinca com os sólidos geométricos. Transforma em poesia os teoremas mais complexos.  É um laboratório fantástico de cordéis e livros didáticos sobre matemática para jovens e adultos. Cria coleções de cartões postais para massificar o aprendizado dos Números. Afinal, como Pitágoras, descobriu que tudo são números. E que “A Evolução é a Lei da Vida, o Número é a Lei do Universo, a Unidade é a Lei de Deus”. Foi Pitágoras o primeiro filósofo a criar uma definição que quantificava o objetivo final do Direito: a Justiça. É sua a definição de que um ato justo seria a chamada "justiça aritmética", na qual cada indivíduo deveria receber uma punição ou ganho quantitativamente igual ao ato cometido. Por isso me pediram, meu caro Neto, para ler em voz alta o seu veredicto: Foi o senhor José Rodrigues Neto condenado a assumir um lugar entre nós e sua pena será a prestação de serviços à nossa unidade benfazeja, através do esquadro do pentagrama, das veredas da álgebra, das trilhas geométricas, calculando as operações corretas para chegarmos à felicidade. Cumpra-se!

"Nunca estamos vivendo à altura das nossas possibilidades." Esta frase parece se constituir o resumo biográfico de João Silas Falcão Soares, o Silas Falcão. Confesso a vocês a minha estupefação quando, há algum tempo, encontrei em Fortaleza o escritor Silas Falcão. Jamais imaginei que por detrás daquele sujeito aparentemente arredio se escondia um verdadeiro monstro da criatividade lingüística, capaz de se envolver nos mais empolgantes vôos gregários e participar de antologias com nomes sugestivos como Abraço Literário e Papo Literário. Cursou Administração de Empresa, mas se especializou em administrar empreendimentos literários. Pertence à Associação Cearense de Escritores, onde ocupa o cargo de Diretor de Eventos. Criou a marca Você Moda Cultural, camisaria especializada na divulgação de imagens motivacionais e textos da literatura Cearense. Ano passado foi homenageado com o Diploma Mérito Cultural pela ALMECE - Academia de Letras do Município do Estado do Ceará.  O autor de “Por que Somos?” e “A Prisão de Deus” é um ser encarcerado. Ele próprio revela sua rotina depois que conheceu o livro: “nunca mais me retirei da bondade da leitura, que me jogou dentro da literatura onde encontrei Pasárgada, a civilização imaginada, criada pelas palavras”. Silas, nosso Falcão peregrino, a mais veloz ave do mundo e do reino animal, abre tuas asas e exibe tua condição de cativo à formosa deusa Liberdade. Tua tarefa será a condução deste Sodalício à relembrança permanente de que ninguém é pobre quando ama e que devemos sonhar com flores brotando em pleno asfalto. Salve, Silas!


Em louvor ao centenário da nossa cidade, anuncio que é de uma estirpe centenária o outro varão que vem fortalecer nossas colunas: José Maria Bonfim de Morais. Filho do Felipe CEM, o sobrinho da Rosa que deu nome a este Teatro se especializou nas matérias que versam sobre o lado esquerdo do peito e fez fama em Fortaleza. Granjeou também conceito internacional. Além da intensa atividade profissional, é militante filantrópico e integrante, dentre outras, da Associação Cearense de Escritores (ACE) e da Sociedade Brasileira de Médicos Escritores (SOBRAMES). É articulista festejado do Diário do Nordeste. (Gerardo Mello Mourão contava que seu amigo Austregésilo de Athayde, chegado de Paris, onde pronunciara um discurso histórico na Assembléia Geral da ONU, foi ao Recife, para contar a história à sua mãe. Certo de que o episódio a encheria de orgulho, ao saber do filho aplaudido por todas as nações da terra, na tribuna mais alta do planeta, o que ouviu foi quase um muxoxo de desdém: "É — respondeu-lhe a velha mãe nordestina — mas você nunca discursou no Teatro Santa Isabel". O Teatro Santa Isabel era o palco maior, o símbolo conspícuo, das grandezas e da glória regional de sua honra pernambucana. Falar ali, na tribuna egrégia em que ressoaram as vozes de Joaquim Nabuco de Castro Alves e de Tobias Barreto, as vozes de sua raça e de sua tribo, de sua história e de suas raízes, isto sim, é que era a coroa de louros e a taça de ouro de uma carreira olímpica. O laurel imarcessível com que o "vir gloriosus" podia destruir o provérbio pessimista de que ninguém é profeta em sua terra). Conhecedor da habilidade de José Maria na edificação das palavras e das suas incursões pelas mágicas grutas da poesia, lancei-lhe convite para tomar assento nesta Arcádia. Imaginei que, mercê do destaque que conquistou e das inúmeras atribuições, declinaria habilidosamente da incitação. Sua resposta me surpreendeu: - Sentir-me-ia muito mais honrado em participar da Academia de Letras da minha terra do que da Academia Brasileira de Letras. A honra é recíproca, mestre José Maria. Sei que, no palco maior da vossa terra, tomas assento na Academia de Letras da tua tribo com um orgulho especial. Por isso assuma a regência da orquestra dos nossos corações. 


A minha convivência com o recipiendário que agora apresento se iniciou no oceano da política e terminou por nos aproximar nas outras praias da vida. Conheci o ser sensível e profundo, endoscopista de almas, amante da natureza, aviador natural, apreciador da boa música, estudioso dos grandes temas, visionário trabalhador. Jamais consegue ser morno. É sempre gelo ou brasa. Adora viver perigosamente, escalar as montanhas dos desafios, palmilhar as trilhas adversas. Saboreia intensamente cada prato que o restaurante da vida lhe oferece. No entanto, ao longo da nossa convivência, tive a oportunidade de identificar a mais original das suas facetas: no lençol freático desse homem aparentemente duro, há um poço profundo de ternura. Falo de Paulo, o Nazareno. O sério careca de hoje já foi o cabeludo irreverente, tipo hippie, que amava os Beatles e o Rolling Stones. Escreve. A letra é feia, mas o conteúdo é bonito. É poeta. Está com dois livros no forno: um sobre o rio e a vida e outro sobre o papel da mulher nas nossas vidas. Vista sua roupa branca e entre, Paulo. Um conselho, apenas: Assopre as velas da comemoração. Apague o que ficou para trás. Mire o futuro e reparta o bolo da amizade. Aqui o banquete é de fraternidade. Seja bem-vindo, Paulo Nazareno Soares Rosa.


Penso que falta a este Teatro a presença dos sinos. Sinos, senhoras! Senhores, faltam sinos neste templo ecumênico da cultura crateuense. Como é lindo o repicar dos sinos anunciando e ao mesmo tempo convocando a todos para, com formalidade litúrgica, participarem da solenidade essencial. E se alguém nos perguntasse: ?por quem os sinos dobram? Diríamos que dobram por Juarez Leitão, o maior poeta vivo dentre os nascidos neste sertão. Sim, porque todos nos postamos, reverentes, ante o brado retumbante da sua verve, fazemos um semicírculo cerimonioso sob o barulho tonitruante dos tambores da sua oratória. Oratória que o tornou laureado na Academia Cearense de Letras, na Academia Cearense de Retórica, na Academia Fortalezense de Letras, na Academia de Artes e Letras do Nordeste, na União Brasileira de Escritores e na Associação Nacional dos Professores de História. É difícil precisar se fala melhor do que escreve ou se escreve melhor do que fala. Resplandece como historiador, poeta, cronista, biógrafo e conferencista. Juarez, teu caule é alimentado pela seiva do nosso Juá. E é como um colossal pé de Juazeiro, a palmeira do nosso sertão, que o teu nome eleva a nossa instituição, mantendo-a permanentemente viva e verde.


Se nada tivesse produzido, esta Academia já se justificaria apenas por uma dos ensinamentos que nos legou. O de que é possível obedecermos à lei do universo que nos ensinou Lao-Tsé: as diferenças não constituem obstáculo à convivência respeitosa entre diferentes, à harmonia entre os contrários, ao louvor à pluralidade. 

Viva a Academia de Letras de Crateús!


(Discurso proferido por Júnior Bonfim na noite de 30.07.2011 por ocasião da posse dos novos membros da Academia de Letras de Crateús – ALC – no Teatro Rosa Morais, Crateús, Ceará)


Sergio Moraes disse...


Caro Junior,

cumprimento-o pelo belo discurso de saudação aos novos acadêmicos da ALC. Nesta oportunidade, parabenizo os novos empossados augurando-lhes votos de mais sucesso e realizações.

Abraços



1 de agosto de 2011 09:53




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