sexta-feira, 26 de agosto de 2011

                                            Uma Fábrica de Sonho

            Nasci numa fábrica de sonho. Cresci dentro desta fábrica e vendo como se produzia, in vitro, estes sonhos. Como se criava de uma simples visão, de uma mera ilusão, uma realidade. Era como aquele incrível filme em que se fabricava chocolates, na inesquecível película montada pela Disneyworld, a extraordinaria magia de se preparar com cacau e leite barras de amarronzados deleites. Uma fábrica que era uma casa, que era meu lar, que tinha uma escola em plena atividade, bem no meio.
            Quando a dona cegonha me deixou por lá, deve ter estranhado o endereço, mas mesmo assim entregou-me e vim ao mundo num lar-escola ou numa escola-lar e ficava sempre na dúvida onde realmente estava, se na escola ou no lar, mas sabia que tinha um magnífico nome, chamava-se: Externato N. S. de Fátima.
             Se não tinha na entrada uma plaqueta com os dizeres: “Temos aqui todos os sonhos do mundo”, isso ficava subtendido no rosto dos meninos e das meninas que os pais levavam para se matricular. A bem da verdade é bom que se diga: para alguns que chagavam compelido e contrafeitos, lá não parecia uma fabrica de sonho, não, assemelhava-se mais com um  lugar onde nasciam os pesadelos. Eram aqueles desafortunados para os quais o estudo nunca deixou de ser uma punição, uma mortificação. Na realidade, desde criançinhas, vamos nos formando destes dourados sonhos que apreendemos e guardamos no bolso da farda infantil e dos nossos receosos pesadelos que se grudam na pele de nossas almas, teimosamente e se mesclam, resultando nesta massa invisível que chamamos personalidade. Se tiver qualquer dúvida sobre o que estou falando, pergunte ao seu psicólogo.
             Fui alfabetizado e percorri os caminhos com um nítido estoicismo, do bê-á-bá até a mais avançada das salas de aula, o 5º Ano, como um  aluno e filho da diretora, uma sobrecarga tremenda, pois tinha a obrigação de ser o aluno exemplar.
             As salas de aula eram especiais em tudo. Eram bem diferentes destes individualismos de hoje. Tínhamos um cantinho certo para sentar, numa cadeira cativa ou num lugar reservado de um comprido banco. Tomávamos assento ao redor de uma longa mesa de madeira e, como os trabalhadores de uma fábrica, um de frente para o outro, cada um ia manufaturando, misturando ingredientes, camada por camada, preparando gota a gota esta porção do que somos feitos, de bom ou de ruim, a qual nasceu ali, naquela fábrica de sonhos coletivo.
            Até hoje tenho certa dificuldade com as lições de casa, sempre alguma coisa estranha imiscuía-se com mais urgência, atrapalhando o meu objetivo. Naquele dia, na hora da lição, tinha sido uma simples pergunta sobre as Capitanias Hereditárias e no meu querido livro de Exame de Admissão tinha lido que eu era o Capitão de meu time de futebol, o herói do jogo e fazia o belo gol da vitória. Meus travessos sonhos haviam novamente se intercalados com a realidade.
            A Mestra e mãe, dizia: “A justiça para ser boa começa de casa”. Segurava bem na ponta dos dedos, para espalmar a mão. Com o primeiro bolo, a palma já ficava quentinha. O terceiro, que voltava, era como uma língua de mandacaru que lambia toda minha preguiça.
            Aos sábados, a diversão era uma extraordinária sabatinada. No quintal, embaixo de uma frondosa algaroba, as tabuadas de dividir e de multiplicar eram arguidas, sempre repetindo o sentido de um circulo, um a um, com a expectativa da ação da Maria Bonita, que nos fitava da mão da digníssima mestra.
            Ali traçávamos nossos destinos, como numa oficina de humanidade, onde configurávamos as vidas e depois partíamos preparados para uma longa caminhada, cada um com seu rumo, com sua bússola feita flores e espinhos desbravando caminhos distintos, como uma semente que já leva a forma e o destino de árvore.
            Continuei a embaralhar meus sonhos com a crua realidade que meus olhos sorvem pelas trilhas da vida afora, pois percebi que os sonhos sozinhos se diluem facilmente nos primeiros raios diáfano que o cercam numa inesperada esquina. Assim, a minha mão segue desenhando imagens de minhas lembranças em fluídos espelhos e tentando recompor, com meras palavras, aqueles dias em  que aprendi o oficio de sonhador, para não cair num poço de esquecimento.
            Sei que sobre nossos sonhos podemos construir os arranha-céus, as megalópoles, inclusive as inacessíveis montanhas de Maomé que dizem que com a nossa vontade férrea é possível. E sobre uma singela e mágica escola que sempre produziu e continua a produz sonhos, pedestal de muitas vidas, o que podemos erguer? Acho que nada mais nada menos o que lhe é devido: as estruturas abençoadas da eternidade.

Raimundo Candido 

joao silas falcao soares disse...


Raimundinho, sempre relembro a nossa Fábrica de Sonhos. Os primeiros sonhos. O sol do meio dia esquentava a Rua da Cruz e, sob ele, centenas de estudantes de Crateús se somavam nos rumos de um único destino: O Externato Nossa Senhora De Fátima. Lembro-me de fileiras de alunos aguardando o momento de entrar na maravilhosa Fábrica, e começar a trabalhar os próprios sonhos. E como todo sonho que se preza, aqueles não eram fáceis de realizar. Muita aplicação na tabuada. Leitura e mais leituras do volumoso Livro de Admissão. Lembro a capa dura e azul. Todos os erros, para não atrapalharem a realização dos sonhos e o funcionamento competente da Fábrica, eram castigados com palmatória ou com permanência em sala de aula, quando todos saiam. Experimentei os dois. Várias vezes. Ainda é muita acesa a imagem austera da Dona Delite anunciando: O Silas, o fulano, o beltrano ficarão de castigo depois da aula. E o pior era em casa. Inventar o que para os pais? Aí, outros castigos: não sair para brincar. Cine Poty? Mas punição nunca desejada era dita como lei paterna: não tomar banho no Rio Poty e não jogar peladas no campinho, que ficava ao lado deste rio da nossa infância.
Externato Nossa Senhora de Fátima. Toda vez que vou à Crateús passo ao lado dele, olhando para a memória dos meus primeiros sonhos.

Raimundinho, esta crônica tem que ser imortalizada no seu próximo livro.

Niltomaciel disse:

Olá, Raimundo. Obrigado pelo envio do link.
Parabéns a todos os que compõem a Academia de Crateús. O site está muito bom. A crônica "Uma fábrica de sonhos" deve ser lida e divulgada pelo mundo. Parabéns! Um abraço cordial. Nilto

César Vale disse:
Raimundinho: Nesta fábrica de sonhos você parece ter se superado. Entre tantas que já li e gostei, de suas crônicas, esta foi elaborada com a sua alma e o sentimento infantil, ou materno/infantil. Parabéns. César

3 comentários:

  1. Raimundinho, sempre relembro a nossa Fábrica de Sonhos. Os primeiros sonhos. O sol do meio dia esquentava a Rua da Cruz e, sob ele, centenas de estudantes de Crateús se somavam nos rumos de um único destino: O Externato Nossa Senhora De Fátima. Lembro-me de fileiras de alunos aguardando o momento de entrar na maravilhosa Fábrica, e começar a trabalhar os próprios sonhos. E como todo sonho que se preza, aqueles não eram fáceis de realizar. Muita aplicação na tabuada. Leitura e mais leituras do volumoso Livro de Admissão. Lembro a capa dura e azul. Todos os erros, para não atrapalharem a realização dos sonhos e o funcionamento competente da Fábrica, eram castigados com palmatória ou com permanência em sala de aula, quando todos saiam. Experimentei os dois. Várias vezes. Ainda é muita acesa a imagem austera da Dona Delite anunciando: O Silas, o fulano, o beltrano ficarão de castigo depois da aula. E o pior era em casa. Inventar o que para os pais? Aí, outros castigos: não sair para brincar. Cine Poty? Mas punição nunca desejada era dita como lei paterna: não tomar banho no Rio Poty e não jogar peladas no campinho, que ficava ao lado deste rio da nossa infância.
    Externato Nossa Senhora de Fátima. Toda vez que vou à Crateús passo ao lado dele, olhando para a memória dos meus primeiros sonhos.
    Raimundinho, esta crônica tem que ser imortalizada no seu próximo livro.

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  2. Dona Delite... Rapaz eu estudei um ano aí, acho que foi em 72. Levei muitos bolos de palmatória pois era um capeta.


    Chico Pascoal Pinto.

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  3. naum me lembro bem sei que fui aluna dessa maravilhosa escola
    a coisa mais importante que lembro e que no mes de maio antes de comecar as aulas nos rezamos o terco de nossa senhora desde foi a melhor licao que aprendi se um dia voltar pra minha terra irei ai com certeza bjs.maria de fatima araujo de oliveira

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