terça-feira, 18 de outubro de 2011

A Celebração das Andorinhas

                                     

As pouquíssimas andorinhas que ainda regressaram à cidade de Cratheús nesta estação e que animavam a praça da matriz na manhã de domingo, 16 de outubro, início do horário de verão onde os dias, além de insuportavelmente tórridos, são penosamente esticados, dividiam os canteiros de gramas recém aparadas, pululados de proteicos insetos, com os simplórios bem-te-vis e os irrequietos pardais. Como um autômato, balbuciei mentalmente a saudosa letra da música cantada por Tonico e Tinoco ”As andorinhas voltaram e eu também voltei...”
                Dentro da imponente catedral, com as torres brancas guarnecidas pelos dois vigilantes galos, já entoavam a missa. Celebram a Eucaristia, um dos sete importantíssimos sacramentos católico, no qual, Jesus Cristo se acha presente, sob as aparências do pão e do vinho, com seu corpo, sangue, alma e divindade. Sinto o Deus do Vaticano, preso na catedral.
                As andorinhas também celebravam, esvoaçam no ar, num ir e vir incessante adejando rente ao chão, hora em voos curtos de inquietação, hora nos voos longos, feito um desafogo, como se a me dizer: “Outrora nos empoleirávamos, afeito miríades,  nestes fios de alta tensão e nas fachadas dos imponentes prédios desta luzidia terra, sempre fazíamos uma grande festa que arrebatava os olhos dos que iam passando. Agora somos como coisas estrangeiras nesta terra que escolhemos, e que nem nos percebem, mas viemos mesmo assim.”
As andorinhas de agora, em Cratheús, estão determinadas sempre a retornarem por uma fascinante questão de divina migração. Na busca de alimentos ou fugindo do intenso frio do Hemisfério Norte, migram rumo a um distante Sul, aos bandos. O momento de alçar o voo é determinado por um sistema glandular, seu relógio biológico como nos diz a ciência, e aí se ativa também o dispositivo de navegação e orientação, um bussolar bico que está ligada a posições do sol e às invisíveis linhas do campo magnético terrestre. Velozes, voam à luz do dia e praticam a alimentação aérea, caçando apetitosos insetos em pleno voo e para tal desenvolveram um corpo afilado e asas relativamente longas como um vivo torpedo, propício a uma navegação aérea de longo curso.
Quantas desatinadas noites e quantos denotados dias, neste imenso percurso de impensáveis quilômetros extenuados, devoraram para poder celebrar o sublime sermão da montanha nas margens do Rio Poti, num esforço heroico de desafiar todas  as possibilidades e mostrar que nenhuma intrepidez é em vão.
Enquanto no imenso templo branco o sacerdote encerra a celebração dominical, abençoando os fieis que se dispersam rumo a suas casas e que passam pela louvação das andorinhas, mas não percebem o belo sermão reeditado mais uma vez na catedral da natureza, só contemplado pelos felizardos e excêntricos áugures que ainda há por aí. Rezam as andorinhas, num hino de alegria:  “Olhai para as aves do céu, que não semeiam, nem ceifam, nem ajuntam em celeiros, e Vosso Pai celestial as alimenta. Não valeis vós muito mais do que elas? Ora, qual de vós, por mais ansioso que esteja, pode acrescentar um côvado à sua estatura? E pelo que haveis de vestir, por que andais ansiosos? Olhai para os lírios do campo, como crescem, não trabalham nem fiam; contudo vos digo que nem mesmo Salomão em toda a sua glória se vestiu como um deles. Pois, se Deus assim veste a erva do campo, que hoje existe e amanhã é lançada no forno, quanto mais a vós, homens de pouca fé? Portanto, não vos inquieteis, dizendo: Que havemos de comer? Ou: Que havemos de beber? Ou: Com que nos havemos de vestir? Porque vosso Pai celestial sabe que precisais de tudo isso. Mas buscai  primeiro o seu reino e a sua justiça, e todas estas coisas vos serão acrescentadas. Não vos inquieteis, pois, pelo dia de amanhã, porque o dia de amanhã cuidará de si mesmo. Basta a cada dia o seu mal, branco ou preto.
                Abaixo a cabeça e também sigo meu penoso caminho pressentindo o despertar de minha migração, mas vendo naquelas inspiradas andorinhas o Criador do Universo, o Doador de toda vida e toda fé, que se agacha a minha pequenez para alegrar meu coração, nesta quente manha de verão.

Raimundo Cândido

José Aberto de Souza disse...
Que preciosidade de linguagem, tão iluminadas imagens nessa extraordinária prosa poética.

Um comentário:

  1. Que preciosidade de linguagem, tão iluminadas imagens nessa extraordinária prosa poética.

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