quinta-feira, 26 de setembro de 2013

Pão, bisbilhotice e revolta

                                          
Nunca houve na mal contada história do Brasil uma manifestação tão legítima e espontânea brotada da índole do povo como a Revolta do Vinagre, que rapidamente deixou de ser um simples movimento local, no poluído e tempestuoso centro de São Paulo e se espalhou por todo o País, como consequência de uma desenfreada corrupção dos desavergonhados políticos e do superfaturamento dos inúteis Estádios Futebol para a Copa do Mundo em 2014, em cidades que necessitam, premente, de educação e saúde. Diziam-se, com um fio de esperança na alma: - O gigante acordou!!! Referência a uma estrofe do Hino Nacional “Deitado eternamente em berço esplendido”.  O fabuloso gigante logo voltou a dormir, pois em suas veias ainda corre o sangue avinhado dos velhos português, que por aqui chegaram fugindo do pífio rosnado de um esgotado Napoleão Bonaparte.
A história, a não oficial, conta-nos das sensacionais rebeldias contra o status quo, como em Jenipapo, Canudos, Balaiada, Farrapos, Revolta da Chibata, Revolta da Vacina, Revolução Constitucionalista de 32 e a poética Revolta das Lamparinas no pitoco de Seu Raimundo Bezerra na Praça da Matriz, como também os gritos de liberdade e dignidade dos heroicos crateuenses Luiz Mano, Zé Bezerra e Seu Ferreirinha, na época em que, se vitrines houvessem, estampadas nas fachadas, teriam sido quebras sim, e os revoltosos seriam taxados de desocupados e vândalos por alguma rádio de visão estreita, interesseira e egoísta.
Já não se fazem mais revolucionários como antigamente. Nas primeiras décadas de 1900, na Praça do Ferreira, em fortaleza, existiam em cada canto daquele largo arborizado, Cafés bem frequentados e no mais famoso deles, o Java, escritores como Lopes Filho, Ulisses Bezerra, Temístocles Machado e Tiburcio de Freitas já protestavam contra os políticos larápios, contra a fingida burguesia, mas admiravam o Pe. Verdeixa pela ousadia em expor a traquinagem de um Clero vigente, embora fosse o pior deles e detonavam tudo que fosse tradicional. O velho Bode Ioiô, um quadrúpede mal-cheiroso esquecido pelos retirantes, só se preocupava, exclusivamente, em granjear uma dose de cachaça, no eterno vai-e-vem entre a praia e a praça.
O poeta e escritor Quintino Cunha, gênio e humorista fino, bem sentado numa cadeira do Café Java, palestrava fazendo-se ouvir pelo historiador Leonardo Mota e outros literatos da época: - Amigos, para ser feliz no Ceará, é preciso nascer burro, viver ignorante e morrer de repente...
 Antônio Sales batizou aquele sacrossanto local de Padaria Espiritual e publicavam um fofoqueiro jornalzinho chamado de “O Pão”.
E por falar em pão, paro com esse habitual devaneio histórico, um recente costume que adquiri em matutar sobre as  vidas passadas enquanto ando por aí, e estaciono meu possante Del Rey na frente da padaria São Francisco, esquina da Rua Poeta José Coriolano com a Rua Cel. Zezé, pois me lembrei do que tinha ido fazer: comprar o alimento mais antigo do mundo e que vem salvando a humanidade da cruel fome, há milhares de anos, o saboroso pão.
Começar a trabalhar à 1 hora da manhã, enquanto a cidade emite os primeiros roncos de um merecido descanso, preparando uma viscosa massa de farinha de trigo monsanto, água, sal, fermento e, dizem alguns entendidos, uma pitada do nocivo bromato, sem falar em algum fiapo de qualquer coisa não identificável, não é serviço mole não, é coisa de gente determinada mesmo, sem direito a dia santo ou feriado.  
Antes das seis horas, em frente à padaria, já têm alguns habituais fregueses esperando os portões corrediços se abrirem. O primeiro que vejo é o Diassis do Mercado, vem  comprar os pães da Dona Maria, Dona Lurdes, da Aparecida e de todas as merendeiras daquele Prédio Central, que já está todo descaracterizado.  O Dedé Macedo vai logo reclamando e me informando: - Professor, o nosso querido Flamengo está acabado! E a festa da maconha, você viu? Até o bolo estava enfeitado com folhas da cuja dita! O Brasil está igual ao nosso time, sem prumo e sem rumo!
O Cicinho, um cidadão especial apadrinhado do Pai Chiquim, com um radinho ao pé do ouvido, capta as primeiras notícias do dia para sair espalhando pelos quatro cantos do mundo. Prisão, morte ou as brigas dos vereadores é o que lhe dá maior prazer em divulgar.
Outro que não desgruda o radinho do pé do ouvido é o Diassis “do Banco do Brasil”. Depois de entregar os pães que ficou de comprar para a vizinhança, parte com uma pasta preta debaixo do braço, mesmo não tendo um documento a pagar, e pega a longa fila de clientes do BB e vai soltando as notícias, didaticamente, uma por uma, da pacata vida de cidade do interior. Alguns funcionários vão logo perguntando: - E ai, Diassis, quais as novidades? Os olhos brilham, com a resposta que saborosamente anuncia: - Rapaz, o comerciante Fulano de Tal pegou a mulher com o vizinho, num namoro tão quente, mas tão quente que saía fumaça das orelhas!  O correio das notícias ambulante sai do Banco levando as informações que por lá captou com uma arguta antena, e para os comerciantes da Rua Moreira da Rocha, vai relatando: - O Fulanim do Banco do Brasil  vive querendo saber da vida das mulheres casadas da cidade e não repara que a dele, com uma roupa colada no corpo,  passa a manhã inteira com um destes personal treinador, todo musculoso! Sei não, mas essas coisas num instante viva uma boa notícia!
Ouço uma gargalhada debochada e estridente: Ha! Ah! Ah! Haaaiiiiiiiiiii!
É o folclórico Durval Bonfim, bem sentado numa cadeira esperando o leite chegar, e como sempre, nu da cintura pra cima, a alma também despida, numa aparência de deboche e ironia pela inteireza e esforço que a vida requer.
 – Cadê aquele matemático que tu me disse que sabia fazer os cálculos para a gente ganhar na loteria? Aquilo é um #@!%#@$, não sabe é de nada! Segura no meu braço e me obriga a ouvir:
  – Presta atenção que tu vai entender! São 50 milhões pra 6, está entendendo? É só fazer os cálculos!
 – Durval, porque tu não procuras um profissional da matemático para te ajudar a ganha neste jogo? Tento me livrar da pergunta, sabendo que todo dinheiro que ele ganha vai para as casas loterias do governo. E responde-me, debochador como sempre:
– Ora, ora... Matemático! Se nem o endereço do merda do Osvaldo de Souza a gente sabe! No dia em que inventaram que ele tinha sido o sortudo da Mega-Sena mil e uma amizades de conveniências, subitamente, apareceram! É o remoto e fingido interesse que une os homens!
Tenho compaixão do Durval, uma alma abandonada, remoendo uma amarga solidão e se fazendo de fortaleza, aonde a gente vê um desespero estampado nos olhos, como uma pedra detida que ameaça desabar. Um dia, Durval me chama, com o Código de Processo Civil na mão e joga na pressa de meus ouvidos um artigo, que ele, lentamente, lê: “Em falta de normas jurídicas particulares, o juiz aplicará as regras de experiência comum subministradas pela observação do que ordinariamente acontece e ainda as regras da experiência técnica, ressalvado, quanto a esta, o exame pericia.” E pergunta-me:  - Será que esse juiz, decidira pela minha causa de usucapião na casa que foi de minha mãe e aquele advogado, meu parente, entrou com uma averbação, querendo tomar?  Lembrei-me que Deus atua também como causídico nestes casos, e já que  o enjambrado Durval Bonfim está para desabar, de corpo e alma, ou então desabará as ruína da casa que ele fica debaixo, rogo que o grande Advogado do Universo o ajude.
Com um saco de “Marrocos” na mão, dirijo-me ao lar. No trajeto, “viajo”, mais uma vez,  ao Café Java, naquele dia em que o velho advogado Quintino Cunha contava suas engraçadas lorotas, e aconselhava o povo nos casos de desespero, com o pão espiritual de sua sabedoria e ouso perguntar: - Caro amigo Quintino, que conselho você manda para nosso amigo Durval?
- Caro Professor, diga ao velho Durval Bonfim que pinte de ouro aquela enferrujada espada dos Dragões da Independência, com a qual ele faz referências aos fantasmas familiares  da estirpe dos Bonfim, na antiga  casa de Dona Maria Leitão, e para não ir nu, da cintura pra cima, que arranje uma farda de General, enfeitada de muitos galardões e compadeça a audiência com o juiz pois, depois que o povo voltou a dormir, o medo maior dos políticos safados e dos  juízes que decidem pela lado que lhe é conveniente é uma fardinha verde oliva repleta de condecorações. Diga-lhe também que, se puder e tiver coragem, comece uma revolução nas Ribeiras do Poti!
Só pode ser coisa do comediante Quintino, mas para não perder a viagem, passei bastante manteiga num delicioso Marrocos , o pão do corpo, e fui saborear, tranquilamente, o livro  Anedotas do Quintino e o Ceará Gaiato, o pão da alma, presente do meu amigo e  jornalista Cesar Vale, que deve está se preparando, com a espada da palavra e o galardão da oratória, para ir, também,  a alguma audiência!

  Raimundo Cândido

Um comentário:

  1. E ainda contam
    aquela história do padeiro
    que vomitou na massa,
    levando-a ao forno.
    No dia seguinte,
    todo mundo procurava
    pão com linguiça.

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