domingo, 31 de julho de 2011

DISCURSO DE SAUDAÇÃO AOS NOVOS ACADÊMICOS DA ALC

Autoridades que compõem a mesa,
Senhoras e Senhores,


Meu cordial Boa Noite!

Contam que, seis séculos antes de Cristo, lá pelas montanhas do Oriente, onde tudo nasceu, viveu um ser fulgurante chamado Lao-Tsé.  Lao significa "criança, jovem, adolescente". Tsé é o fluxo de muitos nomes chineses, que quer dizer "idoso, maduro, sábio”. Lao-Tsé, o "jovem sábio", o 'adolescente maduro", foi contemporâneo de Kung Fu Tsé, o Confúcio, de quem foi discípulo. Era guardião dos arquivos do Tribunal Imperial Chinês e atraiu muitos seguidores com sua sabedoria, embora sempre haja se recusado a fixar suas idéias por escrito, por temer que as palavras pudessem cair na vala comum do formalismo dogmático.

Octogenário e desiludido com as pessoas da sua terra - que estavam pouco dispostas a seguirem o caminho da bondade natural - rumou para o Tibet, na fronteira ocidental de China, quando foi reconhecido por um guarda. Este lhe lembrou que possivelmente todos os seus ensinamentos logo migrariam para o esquecimento se alguma coisa não ficasse gravada, e só permitiu que ele deixasse a China após escrever seus ensinamentos básicos, a fim de que pelo menos parte de seu conhecimento pudesse ser preservada para a posteridade. Atendendo ao pedido do guarda, de uma só vez Lao Tsé redigiu (reza a lenda que escreveu numa grande pedra) a coletânea dos 81 versos que se tornariam a síntese de sua sabedoria, que entrou para a história sob o nome de Tao Te Ching (O Livro que revela Deus) e é, ao lado da obra de Krishina e de Jesus, uma das três mais importantes mensagens da humanidade. Diz ele no segundo poema:

 “O fácil e o difícil se completam.
O grande e o pequeno são complementares.
O alto e o baixo formam um todo.
O som e o silêncio formam a harmonia.
O passado e o futuro geram o tempo”.

Segundo Huberto Rohden, Lao-Tsé nos ensinou a grande lei da bipolaridade do Universo e de todas as coisas. Nada é somente o Uno, e nada é somente o Verso - tudo é Universo, unidade na diversidade, equilíbrio dinâmico, harmonia cósmica.

Modestamente opino, senhor Presidente, que o sucesso da nossa Academia, grêmio literário em plena maturidade juvenil, repousa no fato de ser uma peça de renda única tecida com os fios coloridos do algodão da diversidade. Seu piso é um tablado constituído de mosaicos distintos. A poesia popular, filete natural, fonte cristalina, representada dentre outros por Lucas Evangelista e Dideus Sales, caminha de mãos dadas com a mais apurada erudição de um Padre Geraldinho, por exemplo.  Embora com pouco mais dois anos de idade, seus passos firmes já se fazem sentir em todos os quadrantes da nossa urbe. Já temos um sítio na internet (www.academiadeletrasdecrateus.blogspot.com) que, aliás, é extremamente prestigiado. A nossa roça de escrituras já exibe mais de dez obras publicadas no espaço de apenas dois anos, algo nunca ocorrido em nossa cidade.  Alguns dos nossos integrantes foram premiados em certames estaduais e até nacionais. A participação nos mais diversos eventos culturais da cidade é outro diferencial.

Pois bem, é nessa esteira que hoje, noite estrelada e memorável, abrimos os portões invisíveis das nossas almas, cedendo aos movimentos de lustre dos nossos corações, para fazer luz aos neófitos que serão iniciados em nossa oficina de prosa e verso.

E, como bons cavalheiros, todos de chapéu na mão, nos perfilemos para receber primeiro as damas.

Tiro o chapéu inicialmente para Ana Cristina do Vale Gomes. Ela já devia estar aqui desde a fundação. Não faltou quem estranhasse. Sua ausência foi sentida. Houve até o petardo da censura: - a Ana não faz parte da Academia? Esclareço: ela foi uma das primeiras convidadas. Razões de foro íntimo a impediram de se banhar nas nossas primeiras águas batismais. Hoje ela o faz. Escritora com doze livros publicados, sacerdotisa da pedagogia, insufladora da flora educacional, empresária do setor livreiro, chega em nosso círculo com suas dinâmicas de grupo, com seu repertório de idéias criativas, juntando os pedaços das palavras para bradar, da cadeira do vulcânico poeta Paulo Leminski, que sua profissão de febre é a literatura.   


Como poderei verbalizar para os presentes a doce leveza, o suave encantamento da dona Cheyla Mota? Recordo-me dela, garota delicada, morando no entorno da nossa Catedral e embriagando de sorriso e paciência as tardes da praça da matriz. Dos bancos das nossas escolas tradicionais – Lourenço Filho, Pio XII, Escola de Comércio – foi tomar assento nas faculdades da Capital e lá se fez Pedagoga, Psicopedagoga e, com louvor, escritora. É articulista da nossa Gazeta do Centro Oeste. Autora do romance A Saga de Will. Sobre Cheyla, bem conceituou a doutora em filosofia Silvia Leão: “Quem diria...Tímida, reservada, em esforço constante de não aparição! Esforço inútil, pois a beleza dela resplandece naturalmente, Da aparência à essência, a beleza dela resplandece”. Alma generosa, foi arrastada por essa misteriosa força de afinidade arrebatadora chamada amor e, ao lado do consorte Isaac Furtado, experimenta o mel da cana-de-açúcar que se ergue no solo fértil do progresso literário.

A terceira dama que engalana a nossa festa é Karla Gomes. Todos a conhecem por seus dotes cênicos, pela elegância dos seus gestos, flor entre cristais, caminhando como quem desfila. Todos batem palmas para sua desenvoltura como atriz, diretora e produtora. Todos admiram sua dedicação militante à cultura da nossa terra, como co-fundadora da Companhia de Teatro Os Cara da Arte e presidente da Sociedade Amigos da Biblioteca Municipal Norberto Ferreira Filho. Hoje trazemos à ribalta sua Certidão Poética e divulgamos seu parentesco lírico. Faço minha a trova do confrade Raimundo Cândido:

Por onde te escondias, poetisa?
O tempo passava e a gente te via
por ai, toda arte e prosa, toda rosa,
mas nada do que agora mostras: poesia!!!

Aplaudamos a pedagoga e poetisa Antonia Karla Bezerra Gomes.

Saudemos agora os cavalheiros. Começo por um que foi meu contemporâneo de adolescência: José Rodrigues Neto. Era um cabra meio envolto em si mesmo, tipo cientista, absorto no próprio mundo, como se vivesse a calcular e esquadrinhar a raiz de tudo. Depois descobrimos a razão da sua introspecção. Graduou-se em Ciências. Virou matemático. Psicopedagogo. Professor da Universidade Estadual Vale do Acaraú-UVA. Brinca com os sólidos geométricos. Transforma em poesia os teoremas mais complexos.  É um laboratório fantástico de cordéis e livros didáticos sobre matemática para jovens e adultos. Cria coleções de cartões postais para massificar o aprendizado dos Números. Afinal, como Pitágoras, descobriu que tudo são números. E que “A Evolução é a Lei da Vida, o Número é a Lei do Universo, a Unidade é a Lei de Deus”. Foi Pitágoras o primeiro filósofo a criar uma definição que quantificava o objetivo final do Direito: a Justiça. É sua a definição de que um ato justo seria a chamada "justiça aritmética", na qual cada indivíduo deveria receber uma punição ou ganho quantitativamente igual ao ato cometido. Por isso me pediram, meu caro Neto, para ler em voz alta o seu veredicto: Foi o senhor José Rodrigues Neto condenado a assumir um lugar entre nós e sua pena será a prestação de serviços à nossa unidade benfazeja, através do esquadro do pentagrama, das veredas da álgebra, das trilhas geométricas, calculando as operações corretas para chegarmos à felicidade. Cumpra-se!

"Nunca estamos vivendo à altura das nossas possibilidades." Esta frase parece se constituir o resumo biográfico de João Silas Falcão Soares, o Silas Falcão. Confesso a vocês a minha estupefação quando, há algum tempo, encontrei em Fortaleza o escritor Silas Falcão. Jamais imaginei que por detrás daquele sujeito aparentemente arredio se escondia um verdadeiro monstro da criatividade lingüística, capaz de se envolver nos mais empolgantes vôos gregários e participar de antologias com nomes sugestivos como Abraço Literário e Papo Literário. Cursou Administração de Empresa, mas se especializou em administrar empreendimentos literários. Pertence à Associação Cearense de Escritores, onde ocupa o cargo de Diretor de Eventos. Criou a marca Você Moda Cultural, camisaria especializada na divulgação de imagens motivacionais e textos da literatura Cearense. Ano passado foi homenageado com o Diploma Mérito Cultural pela ALMECE - Academia de Letras do Município do Estado do Ceará.  O autor de “Por que Somos?” e “A Prisão de Deus” é um ser encarcerado. Ele próprio revela sua rotina depois que conheceu o livro: “nunca mais me retirei da bondade da leitura, que me jogou dentro da literatura onde encontrei Pasárgada, a civilização imaginada, criada pelas palavras”. Silas, nosso Falcão peregrino, a mais veloz ave do mundo e do reino animal, abre tuas asas e exibe tua condição de cativo à formosa deusa Liberdade. Tua tarefa será a condução deste Sodalício à relembrança permanente de que ninguém é pobre quando ama e que devemos sonhar com flores brotando em pleno asfalto. Salve, Silas!


Em louvor ao centenário da nossa cidade, anuncio que é de uma estirpe centenária o outro varão que vem fortalecer nossas colunas: José Maria Bonfim de Morais. Filho do Felipe CEM, o sobrinho da Rosa que deu nome a este Teatro se especializou nas matérias que versam sobre o lado esquerdo do peito e fez fama em Fortaleza. Granjeou também conceito internacional. Além da intensa atividade profissional, é militante filantrópico e integrante, dentre outras, da Associação Cearense de Escritores (ACE) e da Sociedade Brasileira de Médicos Escritores (SOBRAMES). É articulista festejado do Diário do Nordeste. (Gerardo Mello Mourão contava que seu amigo Austregésilo de Athayde, chegado de Paris, onde pronunciara um discurso histórico na Assembléia Geral da ONU, foi ao Recife, para contar a história à sua mãe. Certo de que o episódio a encheria de orgulho, ao saber do filho aplaudido por todas as nações da terra, na tribuna mais alta do planeta, o que ouviu foi quase um muxoxo de desdém: "É — respondeu-lhe a velha mãe nordestina — mas você nunca discursou no Teatro Santa Isabel". O Teatro Santa Isabel era o palco maior, o símbolo conspícuo, das grandezas e da glória regional de sua honra pernambucana. Falar ali, na tribuna egrégia em que ressoaram as vozes de Joaquim Nabuco de Castro Alves e de Tobias Barreto, as vozes de sua raça e de sua tribo, de sua história e de suas raízes, isto sim, é que era a coroa de louros e a taça de ouro de uma carreira olímpica. O laurel imarcessível com que o "vir gloriosus" podia destruir o provérbio pessimista de que ninguém é profeta em sua terra). Conhecedor da habilidade de José Maria na edificação das palavras e das suas incursões pelas mágicas grutas da poesia, lancei-lhe convite para tomar assento nesta Arcádia. Imaginei que, mercê do destaque que conquistou e das inúmeras atribuições, declinaria habilidosamente da incitação. Sua resposta me surpreendeu: - Sentir-me-ia muito mais honrado em participar da Academia de Letras da minha terra do que da Academia Brasileira de Letras. A honra é recíproca, mestre José Maria. Sei que, no palco maior da vossa terra, tomas assento na Academia de Letras da tua tribo com um orgulho especial. Por isso assuma a regência da orquestra dos nossos corações. 


A minha convivência com o recipiendário que agora apresento se iniciou no oceano da política e terminou por nos aproximar nas outras praias da vida. Conheci o ser sensível e profundo, endoscopista de almas, amante da natureza, aviador natural, apreciador da boa música, estudioso dos grandes temas, visionário trabalhador. Jamais consegue ser morno. É sempre gelo ou brasa. Adora viver perigosamente, escalar as montanhas dos desafios, palmilhar as trilhas adversas. Saboreia intensamente cada prato que o restaurante da vida lhe oferece. No entanto, ao longo da nossa convivência, tive a oportunidade de identificar a mais original das suas facetas: no lençol freático desse homem aparentemente duro, há um poço profundo de ternura. Falo de Paulo, o Nazareno. O sério careca de hoje já foi o cabeludo irreverente, tipo hippie, que amava os Beatles e o Rolling Stones. Escreve. A letra é feia, mas o conteúdo é bonito. É poeta. Está com dois livros no forno: um sobre o rio e a vida e outro sobre o papel da mulher nas nossas vidas. Vista sua roupa branca e entre, Paulo. Um conselho, apenas: Assopre as velas da comemoração. Apague o que ficou para trás. Mire o futuro e reparta o bolo da amizade. Aqui o banquete é de fraternidade. Seja bem-vindo, Paulo Nazareno Soares Rosa.


Penso que falta a este Teatro a presença dos sinos. Sinos, senhoras! Senhores, faltam sinos neste templo ecumênico da cultura crateuense. Como é lindo o repicar dos sinos anunciando e ao mesmo tempo convocando a todos para, com formalidade litúrgica, participarem da solenidade essencial. E se alguém nos perguntasse: ?por quem os sinos dobram? Diríamos que dobram por Juarez Leitão, o maior poeta vivo dentre os nascidos neste sertão. Sim, porque todos nos postamos, reverentes, ante o brado retumbante da sua verve, fazemos um semicírculo cerimonioso sob o barulho tonitruante dos tambores da sua oratória. Oratória que o tornou laureado na Academia Cearense de Letras, na Academia Cearense de Retórica, na Academia Fortalezense de Letras, na Academia de Artes e Letras do Nordeste, na União Brasileira de Escritores e na Associação Nacional dos Professores de História. É difícil precisar se fala melhor do que escreve ou se escreve melhor do que fala. Resplandece como historiador, poeta, cronista, biógrafo e conferencista. Juarez, teu caule é alimentado pela seiva do nosso Juá. E é como um colossal pé de Juazeiro, a palmeira do nosso sertão, que o teu nome eleva a nossa instituição, mantendo-a permanentemente viva e verde.


Se nada tivesse produzido, esta Academia já se justificaria apenas por uma dos ensinamentos que nos legou. O de que é possível obedecermos à lei do universo que nos ensinou Lao-Tsé: as diferenças não constituem obstáculo à convivência respeitosa entre diferentes, à harmonia entre os contrários, ao louvor à pluralidade. 

Viva a Academia de Letras de Crateús!


(Discurso proferido por Júnior Bonfim na noite de 30.07.2011 por ocasião da posse dos novos membros da Academia de Letras de Crateús – ALC – no Teatro Rosa Morais, Crateús, Ceará)


Sergio Moraes disse...


Caro Junior,

cumprimento-o pelo belo discurso de saudação aos novos acadêmicos da ALC. Nesta oportunidade, parabenizo os novos empossados augurando-lhes votos de mais sucesso e realizações.

Abraços



1 de agosto de 2011 09:53




ACADEMIA DE LETRAS GANHA INTEGRANTES

Em apenas dois anos de atuação, a Academia de Letras de Crateús
comemora seus novos membros e projetos

Em solenidade realizada ontem à noite no Teatro Rosa Moraes, a Academia de Letras de Crateús (ALC) empossou e diplomou mais oito novos membros, eleitos em assembleia, em junho. Ana Cristina do Vale Gomes, Karla Gomes, Cheila Mota, Silas Falcão, Juarez Leitão, José Maria Bonfim, Paulo Nazareno Soares e José Rodrigues Neto agora fazem parte do seleto grupo de intelectuais deste Município.
Em pouco mais de dois anos, a Academia passa de 22 membros fundadores para 30, estando agora bem próximo da sua composição: 40 membros efetivos. Além desses, o seu estatuto prevê também membros correspondentes e membros honorários. Tem como finalidade propagar a cultura e a literatura na esfera erudita e popular no Município e região. Para cada uma das 40 cadeiras, os ocupantes escolhem os respectivos patronos, homenageando personalidades que marcaram as letras e a cultura brasileira. As reuniões ocorrem bimestralmente na sede da instituição.
A nova leva de acadêmicos anima a diretoria da arcádia. "Essas novas pessoas que estão chegando são todas experimentadas, boa parte possui livros publicados e nos levam a acreditar em um futuro promissor para a Academia. Acolhemos a todos com alegria", destaca Elias de França, presidente da ALC. Ele enfatiza a pluralidade do grupo originário e dos novos. "Temos poetas, cordelistas, jornalistas, contistas, enfim, um grupo bem plural e isso acaba impondo um desafio e ao mesmo tempo uma grande riqueza, advinda dessa diversidade".

Instalação
A ALC foi instalada, oficialmente, em 13 de junho de 2009 em cerimônia também no Teatro Rosa Moraes, por um grupo de amantes das letras vinculados ao Município. Antes, porém, houve várias reuniões preparatórias permeadas por discussões sobre os objetivos e atuação da instituição. Segundo França, uma delas girou em torno do papel da ALC e composição. "Queríamos reunir e unir pessoas que escrevem e que de alguma forma incentivam as atividades de leitura e escrita. A atividade de escrever é muito solitária, mas refletimos que o fato de nos reunirmos motivaria a partilha e até a publicação de nossos trabalhos", lembra.
Ao avaliar esses dois anos de atuação da instituição, ele diz que esse pensamento tornou-se realidade. "Apesar de termos voltado nossas ações para a parte burocrática da ALC, bem como obtenção de uma sede, o que consome um pouco os nossos esforços, comemoramos a publicação de mais de dez livros nesse período", relata.
Para ele, o livro é a grande testemunha da história. "O que somos devemos aos livros, que desde o tempo dos pergaminhos registram a nossa história. Sem o livro não seríamos o que somos, não teríamos registros efetivos da nossa história", defende Elias de França.

Comprometimento
Outra preocupação dos fundadores, destacada por França, reside na ação da Academia no Município. Os "imortais" não podem ficar isolados da sociedade. "As palavras ´elite´, ´intelectual´ e ´imortal´ para nós são vazias em si mesmas, o que vale na verdade é a ação. Essas palavras somente têm significado se envolvermos as massas e a cultura do povo do nosso Município, por isso não nos isolamos e nem cultivamos vaidades", revela.
De acordo com ele, essa discussão é perene na ALC. "Não almejamos ser uma instituição que objetive cultivar vaidades, elites e cuja existência se encerre em fornecer títulos", enfatiza. Daí, o crescimento da Academia, que, segundo ele, circula nas esferas escolares e da sociedade com muita frequência. "A Academia se tornou maior do que imaginávamos, hoje recebemos inúmeros convites para eventos na cidade e região e percebemos claramente a lacuna que existia na área da propagação da cultura", destaca.

Centenário
Nos últimos seis meses, a instituição tem dedicado boa parte de seu tempo, discussões e ações envolvida com a programação do centenário de Crateús, que ocorrerá em 15 de novembro. A luta priorizada é no sentido de resgatar a história da cidade. "Temos um déficit histórico antropológico imenso, pertencíamos ao Piauí e depois ao Ceará. Perdemos o contato com as nossas raízes e isso precisa ser resgatado", conta. A instituição prepara o lançamento de um livro que resgata essa história e se desdobra na pesquisa. Um grupo visitou, recentemente, os Municípios de Oeiras e Teresina, no Piauí, em busca de documentos que contem as origens da Vila Príncipe Imperial, primeira denominação de Crateús. A busca, agora, é por parceiros para efetivar o projeto.

MAIS INFORMAÇÕES

ALC - Rua do Instituto Santa Inês, 231 - Centro - Crateús
http://academiadeletrasdecrateus.blogspot.com/
Silvania Claudino
Repórter
DIÁRIO DO NORDESTE 31/07/2011

quarta-feira, 27 de julho de 2011

EDITAL DE CONVOCAÇÃO

Pelo presente Edital, ficam os 30 membros efetivos da ACADEMIA DE LETRAS DE CRATEÚS convocados para Assembleia Geral Extraordinária, que se realizará no dia 30 de julho de 2011, às 10:00h, em sua Sede, à Rua do Instituto Santa Inês, n° 231 - Centro - Crateús, para deliberar sobre a seguinte pauta: 1) acolhimento dos novos membros da ALC eleitos em Assembleia em 11/06/2011; 2) preparativos para Cerimônia de posse e diplomação dos novos membros e da nova diretoria; 3) informes sobre o livro "Centenário da Cidade de Crateús"; e 4) outros assuntos do interesse da Arcádia.



Crateús, 27 de julho de 2011


ANTONIO ELIAS DE FRANÇA
presidente

Convite à sociedade crateuense


A Academia de Letras de Crateús abre suas portas para receber uma nova leva de acadêmicos. Tomarão posse no sodalício crateuense Ana Cristina do Vale Gomes, Cheyla Mota, José Maria Bonfim de Morais, José Rodrigues Neto, Juarez Leitão, Karla Gomes, Paulo Nazareno e Silas Falcão. O evento, aberto à população de modo geral, ocorrerá no próximo sábado, dia 30 de julho, às 19:00 hs, no Teatro Rosa Morais.

Júnior Bonfim

Isaac Furtado disse...

Estaremos lá prestigiando a cultura desta cidade, repleta de queridos e ilustres cidadãos.
27 de julho de 2011 19:28

terça-feira, 26 de julho de 2011


                   A ALC deseja sucesso ao nosso Confrade e Poeta Dideus Sales, que juntamente com o cantor e compositor cearense Acauã, estarão apresentando um Recital Poético na FEIRA LITERÁRIA INTERNACIONAL DE TOCANTINS, em Palmas.
            Hoje é o lançamento de seu saboroso livro JITIRANAS DE LUZ no Centro Cultural Aboé, em Fortaleza.
            E no dia 29 de Julho o lançamento será na IX Acampamento Latino Americano da Juventude em Icapuí.

Juarez Leitão disse:
            JITIRANAS DE LUZ é uma inspirada e sonora viagem pelas coisas sublimes e espontâneas do ceará.  Um abraço generoso às raízes. Uma cuia de água fresca das nascentes telúricas do sertão.

Antonio dos Santos disse...

Era meado dos anos 80 quando o jovem radialista e versejador Dideus Sales dava os primeiros passos no mundo das letras. Recordo-me daquele rapaz proseando pelas vizinhanças da Caixa D’água com sua obra “O matuto do pé rapado” às mãos.
E fora naquela oportunidade que este então incipiente leitor teve contato com a criação daquele que se tornaria um dos maiores poetas popular dos rincões cearense.
De forma indelével, o promissor poeta talhava, de verso em verso, com maestria graciliana, a alma do homem do sertão.
Hoje, Dideus nos presenteia com mais uma criação e dar alegria em saber que a sua fonte de inspiração continua jorrando forte.
Anseio por reviver aquelas letras.
Quarta-feira, 27 Julho, 2011

sábado, 23 de julho de 2011


Remela de Mufumbo

O caramelado mel de cana
não aquiesce e me repugna.
O trigueiro licor das jandaíras
num sumo de pétalas de flores,
encharca e não me sacia.
O mais doce dos doces
de batata doce, nem vicia.
Desejo é um cálice do teu néctar
que me afina o paladar,
suavemente, sublime como
a diáfana remela de mufumbo.

Raimundo Candido

sexta-feira, 22 de julho de 2011


AS ARMADILHAS DA RUA CEL. LÚCIO
                                       Edilson Macedo


            Trafegar pela Rua Cel. Lúcio, no trecho compreendido entre as Ruas Firmino Rosa e Cazuza Ferreira, é quase caminhar por campo minado. A cada passo o perigo é iminente. Fluxo intenso de veículos, velocidade excessiva, violações de normas básicas de segurança e descaso do poder público são alguns dos motivos que põem em xeque a vida de inocentes que por lá habitam ou se arriscam diariamente.
            A Rua, que liga o centro da cidade ao Bairro da Ilha, um dos bairros de maior densidade populacional de nossa cidade, há muito carece de reformas, ou pelo menos de providências que facilitem e protejam as vidas de habitantes e transeuntes.
            Um pequeno passeio, de preferência à pés¹, pelo referido trecho, basta para que se saiba que o alerta que aqui fazemos é verdadeiro e de boa fé. Pena que nossos políticos e autoridades competentes não tenham tempo para gastar sola de sapato por onde trafega o canelau². Façamos o caminho, então...
            De saída, antes mesmo de engrenarmos uma segunda³, lado direito, sentido centro-ilha, ops!!! Uma parada! Uma Clínica Médica e uma Loja de Grife fizeram desuas calçadas estacionamentos privativos para funcionários e clientes. Resta-nos descer a rampa (é rampa mesmo) e disputar espaço com motos e carros enraivecidos.
            Triste e estarrecedor é saber que as ditas cujas, Clínica e Loja, pertencem a um importante político desta tão maltratada Pólis dos confins do mundo. Mais triste e mais estarrecedor ainda é ouvir o silêncio gritante, a inércia conivente da Prefeitura. Cadê o Código de Postura?!  O bicho comeu?!!!  Andemos...
            Pouquíssimos metros adiante, novo ardil –  seis  Bocas- de- Lobos, literalmente arreganhadas, prontinhas para devorar o mais incauto e desatento filho de Deus. Três de cada lado da Rua, para que a justiça seja igual para todos, indo ou voltando... Quanto ao mal hálito que exalam, aceitemos com resignação, o mais sombrio e trágico da realidade reside um pouco adiante.  Caminhemos...
            Eis que chegamos à ponte que sobrepõe nosso amado e contundido Rio... e interliga a Ilha ao centro da centenária Pólis. Aqui, amigos e amigas, Seres humanos e Ceras humanas, reside o imponderável. A dita, construída há quase cinquenta anos atrás, quando nossa frota de veículos se limitava a meia dúzia de jeeps e quatro lambretas, já não atende às necessidades dos dias atuais. Se o cenário é o mesmo, a novela é outra. Hoje, carros e motos à mil, bicicletas e humanos (de todas as idades e credos) disputam brava e acirradamente o exíguo espaço da velha e inapta pinguela. Sérios são os agravantes. 1) uma das laterais, previamente arquitetada e destinada aos bípedes mortais, foi  inadvertidamente ocupada por um duto da Cagece. Alguém viu?!!!  Outro, mais agravante ainda: Abismos (de verdade mesmo) sem nenhuma parede ou baliza de proteção, antecedem, de ambos os lados, o acesso à ponte. O risco é permanente, a proteção divina, nem sempre.
            Caso tenhamos a sorte de sairmos ilesos desta arriscada empreitada, resta o cruzamento com a Cazuza Ferreira...
            Depois é caminhar até a Imaculada e agradecer a Deus. E não esqueça, afortunado viajante, de deixar uma moedinha para a Madre Santíssima.
            Enxerguemos com os olhos, não com a dor indelével...
  


1.      Ou quem sabe de cadeira de rodas
2.      Com a permissão do Poeta e Sociólogo Airton Monte
3.      Ao Chico Budu, in memoria

terça-feira, 19 de julho de 2011


                                                               As botijas do Zé Dobrão

            Tenho compaixão dos meus verdes amigos vegetais que brotam pelas ruas enfeitadas destas cruéis urbes. Tudo em razão de terem que suportar o efeito de suas podadas arquiteturas paisagísticas. É com tristeza que contemplo estas pobres plantas depenadas pelas ruas, num tronco desornado de seus indispensáveis galhos, como que pedindo clemência aos céus.
            Algumas velhas árvores parecem saber de sua sina ou querem adivinhar logo o destino trágico para seu arcabouço vegetal, que penosamente vai se formando, cascas sobre cascas. Dá-me a impressão que temem o gume de uma foice ou a dilaceração de um machado.
            Há arvores em que até a sombra é carregada deste fatigado peso.            Sentado aqui, embaixo de um desses meus verdes amigos, a quem muito simpatizo, na calçada da casa do Zé Dobrão, lembrei-me de um bordão característico de uma famosa ONG mundial chamada Greenpeace, que me causou uma profunda impressão: “Quando a última árvore tiver caído, quando o último rio tiver secado, quando o último peixe for pescado, vocês vão entender que o dinheiro não vale nada.”
            Sempre que posso venho aqui e fico sentado à sombra, na luz da lua, deste majestoso pé de Sebinho, carregado de verdes vagens, que tem uma pasta branquinha e doce como mel. De dia, os bem-te-vis, os sabiás e as primaveras fazem a festa. Mal a claridade retira-se de seu luzente palco, vem um bando de morcegos frutíferos com seus imperceptíveis ruídos ultrassônicos, localizando com precisão a posição exata das vagens, para saborear o açucarado néctar e passam em revoada por sobre nossas cabeças, na calçada do Zé.
            É o espetáculo que agora assisto e me faz lembrar de um presságio triste que circula nas concepções dramáticas de nossas vidas, que diz: “Um dia iremos necessitar da sombra de uma árvore, vamos vagar livremente a procura de uma e o que encontraremos serão galhos secos, troncos sangrando e raízes exaustas.” Tomara Deus que isso não ocorra, nunca!
            Na frente da casa do Zé Dobrão, começa mais uma sessão noturna de bate-papo, despretensioso, que a modernidade está apagando de nossas deliciosas calçadas.
            E do rio do Tourão, aqui ao lado, que desce majestoso para encontrar o Rio Poti, logo a uns poucos metros abaixo, vem um aroma característico de margens ribeirinhas, como lá nos bíblicos Tigre e Eufrates da antiguidade, com seus currais de gado, como aqui, no final da Agamenon Machado. É o próprio Zé que explica o porquê do nome da rua: — O Dr. Agamenon, antigamente, receitava na casa ao lado. Era um bom médico, e ao meio dia sempre passava com um  litro embrulhado debaixo do braço, enquanto receitava o povo, ia tomando, tranquilamente, sua cachacinha. A conversa vai se soltando pelos mais diversos assuntos. Alguém de repente, sem mais nem menos, indaga:
            — Vocês ouviram a entrevista do João Aguiar, no rádio? Foi sobre uma botija que ele sonhou, mas não teve coragem de arrancar, quem ficou com o tesouro foi outra pessoa. Ele ficou só com um anel de ouro que deixaram por lá. Era um deixa, para que ele entrasse em cena, com suas gostosas histórias sobre nossa origem, sobre nossos antepassados:
            — Na época que meu pai trabalhava no Alegre, na fazenda de seu Jovino Melo, lá pro lado do Parque de Exposição, também se achou umas botijas! Ele deixava a frase solta no ar.
            A curiosidade, que é mãe de toda ciências, de todos os conhecimentos, invadia-nos a alma e, pelo reflexo agudo de nosso olhar, Zé percebia a súplica para que continuasse a narrar sua histórica. E prossegue...
            — Nos terrenos da fazenda Alegre tinha uma imensa lagoa, com muito mato ao redor e um grande pé de Pereiro, onde os caçadores de marrecas armavam suas tocaias. Noite havia em que se assustavam com uma marmota, uma visagem que aparecia por lá. Diziam que um bode com uma grande barbicha e uns longos chifres chagava num alvoroçado barulho e em altos berros. O Zé imita bem com sua voz onomatopéica perfeita: — Beeeeeé beeeeeé beeé eeeé beeeeeeeeeeeeeé beeeeé bé beeeé beeeé eé beé! Os caçadores corriam com medo, passavam sebo nas canelas e esqueciam até dos coitadinhos das chamas de marrecas.  Zé Dobrão vai nos esclarecendo que na época dos revoltosos, as pessoas guardavam seus tesouros em ouro enterrados sob copas de árvores, para protegê-los. Com a morte de seus donos, os potes de barros ficavam lá esquecidos e enterrados, até que um escolhido sonhasse e arranjasse uma titânica coragem para arrancar a botija, munido de pás, picaretas, velas e orações. Tinha que ser numa sexta feira, a meia noite. Não esquecendo de traçar uma estrela de seis pontas no chão, antes de começar a cavar.
            — Eu, meu pai e seu Jovino, íamos com o gado pela trilha do velho Pereiro. Quando chegamos bem embaixo da árvore, vimos os dois buracos já feitos, de lados opostos. Advínhamos logo: Nesta noite alguém arrancou umas botijas por aqui... Meu pai se abaixou e tirou um pedaço de corrente do buraco e foi logo mostrando para seu Jovino, que disse:  — Não compadre, num é ouro não! É só um pedaço veio de bronze e colocou no bolso. Depois daquelas escavações que vimos debaixo do Pereiro, nunca mais apareceu nenhuma marmota por lá. E querendo mudar logo de assunto, dispara a queima-lingua:
            — Vocês viram como o capim amanheceu hoje? Estava coberto de uruvai! Assevera-nos de sua cadeira de balanço.           
            — O que é uruvai, Zé? Você quer dizer orvalho, não é? Alguém retifica, já esperando uma súbita resposta.
            — E orvalho num é aquilo que a mulher tem? Dispara o Zé com mais uma das suas finíssimas afirmativas folclóricas. O bom mesmo é a gente ouvir a gostosa risada de Dona Chica, sua esposa, num riso solto e espontâneo, que contagia e nos dar vontade de voltar no dia seguinte, para mais uma rodada de prosopopéia do Zé.


Raimundo Candido

segunda-feira, 18 de julho de 2011

UM TIPO SUSPEITO

Elias de França

Era um desses que fizera o raro movimento inverso, contrariando a lei da gravidade brasileira: nascido no Sul (Sudeste), veio cair no Norte, ou melhor, nas cearenses terras nordestinas. Órfão de pai e mãe depois dos trinta, tardiamente se dá ao desafio de cavar a sobrevivência, sem os generosos subsídios do pai marinheiro. Tivesse nascido fêmea, faria jus à pensão vitalícia de filha de militar, que, àqueles tempos, ainda consistia em direito adquirido.
Mas vez que macho nascera e estivera até então, homem haveria de ser sempre. Sem ambições e com um coração maior que o juízo, veio a se meter com a penosa construção da arte. E assim embrenha-se sertão-a-dentro, na busca de garimpar a saga mais bela para uma historia de vida.
Foi assim que, numa boca de noite, desembarca em Crateús, depois de umas cinco horas de Fortaleza à Hidrolândia, mais oito de divertidas companhias na oficina de contação de histórias, mais duas de pau-de-arara Hidrolândia-Ipu, umas três horas de espera no Posto Encruzilhada, mais dois tempos de salabancos na topic até Nova Russas, uma tarde de prosas com as moças do Oeste e, enfim, hora e meia de Barrosão.
Como de costume, seu vulto era todo malas (pretas): um violão encapado, uma mala de carretilha, uma grande bolsa, uma mochila de laptop e sua inseparável mochila necessary, cujo conteúdo nem o diabo adivinharia.
Salta na porta do Banco Privado para ali tentar resgatar seu pouco dinheirinho. Já havia pendurado a conta do hotel, no último rancho, porque os caixas lhe sonegaram o saque, nas varias tentativas que fizera em cada um dos vilarejos em que passara. E ali, mais uma vez, a máquina fria lhe avisa estar vazia de numerários. Em fúria, agarra-se a seus três telefones celulares e passa a percorrer o doloroso itinerário de etapas ditadas pela voz eletrônica do outro lado do fone. Seus pés e olhos a acompanhar o contrapasso sem fim daquela maratona de espera da solução que a antipessoa em linha nunca lhe trazia.
A viatura do Ronda do Quarteirão já cumpriria sua quarta averiguação estratégica em frente ao recinto, sem que aquele elemento, em atitude suspeita, se ausentasse do local. E em cada volta, o indivíduo transparecia mais conluio. Ao telefone, andando no interior do banco como que a medir em passos o território e, vez em quando, encostando o rosto nas vidraças para sondar o derredor. O destacamento, então, chama pelo moderno rádio o comando para comunicar a abordagem ao suspeito, ao que obtém pronta autorização.
Os praças saltam da viatura de armas em punho, chutam a porta de vidro com um dos coturnos e cercam o sujeito. Este deixa a voz eletrônica falando sozinha e ergue-se em membros e torax para o alto, para a revista. A moça de farda é designada para vasculhar as tantas malas e mochilas enquanto o sargento conduz o interrogatório:
- Como se chama?
- É Ted!
- Mora aonde?
- Fortaleza.
- Trabalha? Aonde?
- Hidrolândia.
- de onde vem?
Nova Russas...
Atento às respostas e vendo o documento de identidade, o sargento constatava a avalanche de contradições em torno daquele sujeito, de estatura mediana, cabelos avermelhados, olhos claros, com sotaque carioca. Nada batia. Nem o dito com o dito, nem com o não dito. Pois no RG, nada de Ted e sim um nome estranho, de origem saxônica: Flamsteed Flamarion; local de nascimento: Rio de Janeiro, a terra do crime organizado; carteira de trabalho, branquinha, sem um único registro...
As atenções se redobraram a espera de, a qualquer instante, a moça policial desvelar de dentro das malas pretas as armas sofisticadas que o caso transparecia. Mas na muamba, apenas um violão velho sem fundo falso, livros infantis, CDs e DVDs de Bia Bedran e Palavra Cantada, roupas surradas, inclusive uma de palhaço arlequim, algumas garrafas de indaiá...
O sargento ainda arrisca uma ultima pergunta, antes de devolver confuso os documentos:
- Que faz aqui?
E o homem responde, juntando suas burundangas e socando-as nas malas, sem muito zelo:
- Vim contar mentiras, histórias e causos!
Dito assim, pendura seus trecos nos tantos ganchos do corpo e sai a pé, pela Rua Dom Pedro II, da Centenária Cidade de Crateús, com seu coração maior que o juízo, seguido de longe pela viatura do Ronda, passando por debaixo do arco da Santa e tocando em frente, até onde a lei da gravidade o torne queda (ou salto) outra vez.



sexta-feira, 15 de julho de 2011

Laço




Raimundo Candido disse:

Por onde te escondias, poetisa?
O tempo passava e a gente te via
por ai, toda arte e prosa, toda rosa,
mas nada do que agora mostras: poesia!!!

Adiposidade
Nem só o olho é gordo
quando as papilas sonham
(onze em cada dez!)
com docinhos e pastéis.

Nem só a adiposidade
deságua num ventral pneu
sedimentado pelo ávido
descontrole de uma gula.

Nem só um obeso sobejo
 de repulsa e decepção
arboriza-se na desfiguração
ridícula e risível do espelho.

Raimundo Candido

terça-feira, 12 de julho de 2011

Tykere, uma fábrica de sonhos, amizade e alegrias...

Maria da Conceição Rodrigues Martins (Nêga)[1]

Quem de perto conhece meus sentimentos, minhas crenças e defesas de mundo sabe que por batismo sou Maria da Conceição, uma mulher de fé, de amor, que busca alegria com o amparo da verdade, pois creio na objetividade proposta pelo materialismo histórico. Popularmente ou afetuosamente sou Nêga, assim mesmo, com acento, uma entusiasmada pela terra Crateús, apaixonada pelas letras, pela poesia, pela cultura e pelos amigos.
Assim é insistente minha busca em unir esses elementos, para mim, imprescindíveis, a outra tão presente e importante paixão que carrego: a educação ou Educere, tirar de dentro ou ainda a arte de partejar como sugere o mestre Paulo Freire[2].
Pois bem, existe um grupo em nossa cidade que propiciou-me esta alegria do partejamento, juntando em um só caldeirão: sentimentos, trabalho, conhecimento, alegria e beleza. O Bloco Tykerê é o nome dessa rica mistura. Com as pessoas que compuseram esse grupo até o ano de 2006. Estudei, dancei, aprendi, criei, inventei, chorei, briguei, comemorei... Fiz muitos amigos e alguns poucos oponentes. O fato é que o Tykerê tornou-se junto com seu principal adversário, o Bloco Mandacaru Beleza, um grande diferencial para a cultura da região, revelando talentos, profissionais competentes, sensíveis e criativos. E como nasceu tudo isso?
O ano era 1998, o sonho: montar uma fábrica de alegria; o desafio: recuperar uma das festas mais populares de nosso município, que durante algum tempo demonstrava sinais de cansaço, beirando ao descaso até surgir um gestor capaz de nos dizer em palavras e ações que “cultura faz bem”.
Nesse período propício à criação reuniram-se artistas, professores e empresários, pessoas advindas dos grupos Sepultura e Tá tudo serto. Dessa união nascia o grupo cultural Tykerê, um bloco louco por você. Juntos, trabalhamos (muito), estudamos, festejamos (muito) e criamos uma nova forma de fazer carnaval. Numa inusitada receita unia-se à proposta das grandes escolas de samba do Rio de Janeiro com os moldes das grandes micaretas baianas.
Com carros alegóricos, fantasias luxuosas e coloridos abadás, cantamos em 1998 a alegria e o talento da professora de arte educação Rosa Moraes; alertamos sobre a poluição do velho Poty no ano de 1999; em 2000 fomos convidados a festejar os 500 anos de Brasil, uma festa verde amarela e todas as outras cores ; em 2001 foi a vez de destacar os 50 anos da TV brasileira. Quem não lembra da alegria de ver o Dedé Loyola e o saudoso Aldileno no Cassino do Chacrinha? Em nossos desfiles todos os sonhos eram possíveis.
Em 2002 ousamos vestir a alma de branco pra vida ter cor e de forma poética cantávamos a paz no mundo e na nossa aldeia; uma pomba gigante atravessava a avenida.  Todavia foi no ano de 2003  que emocionamos o público e um dos jurados, Gilmar de Carvalho, que vibrou lá dos camarotes, enquanto cantávamos e dançávamos na avenida: Cata rima, catavento, cata verso, canta meu Tykerê poesia e paixão (FRANÇA; MARTINS 2003)[3]. Cantamos naquele emocianante desfile a obra de Patativa do Assaré, noite em que a  poesia popular ganhou brilho e movimento.
Em 2004, aventuramo-nos no estilo boêmio das noites crateuenses, embalados pelos versos do poeta Elias de França que nos dizia: na cidade sou cigarra, sou artística, meu Crateús é meu cantar, cidade à beira do Poty onde a Boemia se banha ao luar. Assim cantamos a boemia, fazendo a cidade lembrar que o  famoso Club Beira rio já não estava mais lá.
 No ano de 2005 a maioria dos componentes do Tykerê optou por não participar da Carnafolia e somente no ano seguinte, cantamos o jeito baiano de viver, amar e escrever com Jorge Amado. Eita Jorge letrado bailado, eita jeito baiano de amar Tykerê que também é amado vem todo pra te cantar... (FRANÇA ; MARTINS 2006)[4]
Foi somente no ano de 2007 que nosso Tykerê conseguiu por meio de uma justa e questionada homenagem levar para avenida um significativo número de foliões. Com o enredo o Dom do mundo, um dom de amor, fez na avenida um verdadeiro tributo a Antonio Batista Fragoso, o nosso dom e naquela noite foi tão bonito se ouvir a canção, cantada de novo...  o próprio Zé Vicente veio para cantar e testemunhar tanta emoção.
Outros enredos foram cantados como os quatro elementos fundamentais da natureza (2008); a África mãe de todos nós (2009); o Velho rei do cangaço (2010) e a escritora Raquel de Queiroz (2011). Enfim diversos temas que motivaram não só a alegria por se tratar de uma atividade lúdica, carnavalesca, mas que conseguiu de forma didática gerar conhecimento, educere, tirar de dentro das pessoas novas sedes e aprendências, para mim algo fundamental em um feito artístico.
Muitas são as histórias e as  pessoas que merecem aqui serem citadas, mas temo ser injusta com alguém que tenha madrugado em nome da alegria, da cultura e da estética, por isso destaco dois nomes representativos durante pelo menos uma década dentro do grupo de amigos que fiz no Tykerê, notadamente, Cicy Macêdo e Osvaldo Melo.
Ela, pela sensibilidade, habilidade e competência técnica na área artística. Sem o talento da nossa Cecy não teríamos tido tão lindas baianas, pierrôs e colombinas no asfalto que virou palco lírico de seus figurinos que misturava o rústico, o lixo e o luxo. A ela devemos muito.
Ele, o Osvaldinho, por seu empreendedorismo e senso de organização que foi fundamental para que o bloco ganhasse destaque para além das terras de karatius. Muitos afirmavam que o Tykerê não era bloco, e sim uma empresa. Com todo esse grupo de gente apaixonada por festa , encontros e alegrias, podemos afirmar que o Tykerê tornou-se mesmo foi uma fábrica de sonhos e de amizade. A cada ano, um carnaval bonito, alegre, mas – sobretudo – organizado. Graças à liderança e ao carisma do Osvaldinho e a partir de seus ensinamentos não podíamos mais fazer arte distante de um  planejamento financeiro.
Por fim, asseveramos que o Tykerê foi e é; hoje com novas lideranças, novos olhares e também novos talentos, um grupo de pessoas unidas pra fazer carnaval e dizer que esta festa também pode ser permeada de educação, competência, afeto, sentimentos latentes e muita fé. Assim é o Tykerê, um bloco louco por você.



[1] Mestre em Educação (UECE). Professora substituta da Faculdade de Educação de Crateús (FAEC-UECE); ex porta bandeira do Bloco Tykerê

[2] Paulo Freire educador  nordestino reconhecido internacionalmente por ter estruturado a Pedagogia Libertadora.
[3] FRANÇA, Elias de. MARTINS, Maria da Conceição Rodrigues. Poeisa e Paixão. 2003.
[4] Elias de França e Maria da Conceição R. Martins . Jorge, letrado bailado ...amado (2006)

segunda-feira, 11 de julho de 2011


                                                                  
                                           Poço da Roça
            Tínhamos o domingo como uma hora de recreio. Um gostoso intervalo entre as fastiosas horas de uma semana sem fim.  Impacientemente aguardávamos aquele momento em que mal começava o dia, no cruzamento da Rua Frei Vidal com a Padre Juvêncio, quando íamos chegando um a um. Nunca era o primeiro a chegar, fato que me dá a impressão que aí começou o horrível hábito de descumprir as minhas futuras horas de precisão, embora morasse ali mesmo, naquele subscrito endereço. Às vezes o Bitonho, outras o Renato, já estava por lá nos aguardando. Era um grupo bem unido, muito compacto de cinco ou seis meninos. O Flávio tinha um Q de adulto, com ares de um amadurecimento antecipado, ainda que não passasse disso, mas comandava a partida marchando em frente, sem uma ordem expressa, para que o seguíssemos.
            Já sabia de memória quantos passos teríamos que dar do final da rua até chegar a nossa magnífica piscina olímpica. Um imenso poço que nunca secava. Um espelho imperecível com sua lodosa água verde e por isso mesmo eterno em nossas mentes. A longa marcha começava com uma selvagem alegria infantil que borbotava de nossas almas, num contentamento que só aparece entre as crianças que além de companheiras, se sentem iguais. Era uma longa trilha por entre marmeleiro e mufumbos, sempre margeando o leito seco do Poti que nos mostrava sua calha poeirenta e entorpecida, num estado letárgico para suportar sua longa espera até chegar uma nova quadra invernosa.
            Os raios de sol desdobravam uma paisagem minuciosa para o nosso entusiasmado olhar, que ia captando tudo como uma avidez impressionante. Um calango colorido disparava em fuga por entre os gravetos do chão, produzindo um gostoso chiado nas folhas secas. O Bem-te-vi recebia-nos com sua algazarra de boas vindas. Era uma catingueira agreste que se mostrava viva e exuberante na sua difícil maneira de subsistir. Nada passava despercebido aos nossos avivados sentidos, até um louva-a-deus em seu equilibrado voo de moderna aeronave ou enquanto pousava num galho, aparentando uma pessoa em serena oração, nos deixava em estado de alumbramento. Os pássaros cantavam, e nós tentávamos imitá-los num desarranjado assovio àquele milagroso som do bico de um golinha, de um estrelinha ou do galo campina com todo o esplendor de uma Flauta de Pan.
            De longe avistávamos o imenso poço de água doce e logo a adrenalina aumentava nosso anseio só pela sua simples presença. Ali se manifestava uma magia e um mistério que éramos incapazes de compreender. Percebíamos que a sede da terra em sorver toda água do mundo, no Poço da Roça estava saciada. Por isso, aquela imensidão ficava em paz. Nem o sequioso chão o sorvia, nem o inclemente sol o devorava, feito vapores para suas dispersas nuvens brancas.
            Os bancos de areias, ao lado das pedras baixas, se estendiam como lençóis e nos convidavam ao banho. Infinitos segredos foram desvendados sob as imensas copas das oiticicas, do imbuzeiro ou embaixo de um grande juazeiro que nos oferecia sua abrandante sombra enquanto as singelas lavadeiras nos ofertavam esplendidas visões que enrubesciam nossas faces.
            Se a mais autêntica forma de felicidade é ser feliz sem motivo, éramos genuinamente afortunados na embriaguez da existência, em comunhão com àquela hora que conservei num infinito antes de mergulhar na solidão da minha realidade futura. As árvores confabulavam com os irrequietos duendes do ar, as rãs bisbilhotavam na água enquanto um céu esplendorosamente azul aquiescia o nosso mergulhar e abrandava o medo que sentíamos de encontrar os assombrosos monstros que sempre habitam a escuridão das nossas águas turvas. Nadávamos de uma margem a outra até gastar o fôlego, com a seriedade das competições olímpicas.  Havia muitas brincadeiras, mas a de que mais apreciava, era lançar o pitel, pedrinhas de forma chata para saltar sobre as águas.
            Arremessávamos na horizontal, e ela corria vencendo a cruel gravidade até perder o fôlego e mergulhar. Discutíamos: foi cinco! Não, foi seis! Foi, foi dez... Lembro-me bem, era minha vez e lancei o pitel que se suspendeu no ar bateu resoluto na água e voltou como um pássaro para o ar, uma, duas, três... dez... vinte ... e ainda assim está, a quicar, por lá!

Raimundo Candido

sexta-feira, 8 de julho de 2011

UM OITAVADO ABRAÇO DE ANIVERSÁRIO!



Nascer no dia 8, poeta, é uma benção!

Oito é o número da luz, festa sagrada, lírio de Jesus, aliança colada!

Só que você é meio descolado, cheio daquela fé dos ateus, chegado a uma festa profana e, talvez até por isso, seja esse ser obscuro condenado à luminosidade!


(Júnior Bonfim)


Se foi no dia oito, tens um biscoito!
Mas acho que não, é muito pouco...
Elias? Nem é oito nem é oitenta,
é talento pra lá de oitenta e oito!
É como a gente ver passar o trem,
nem se imagina o impulso e o vigor
que o impele a este  dom que ele tem
buscando a perfeição com todo rigor,
em vagões e vagões de engenho e arte.
Acho que ele veio mesmo foi lá de marte!

Raimundo Candido


******************************************

Muito obrigado, poeta, pelas palavras e pela tradução desse meu humilde ser!

Viver no meio de uma geração tão iluminada, ainda que quase toda (todos) com alguns trejeitos de obscuridade, profanismo e rebeldia, é para mim um grande privilégio, alem da benção.

Grande Abraço!

Elias de França

.................................................................................
Raimundo, nós que já estamos pra lá dos oito,
querendo conquistar os oitenta
com saúde, paz e poesia,
e, quem sabe, os 88,
ou, quem sabe ainda, os 88 mais 8 e mais 8,
agora, com os seus versos,
vamos todos fazendo vida longa,
ao sabor deliciosos dos biscoitos caratis,
de Crateús até Marte!
Muito obrigado pelos trocadilhos com sabor de biscoitos, que, vindos assim da alma, valem mais do que qualquer outro tesouro!
Grande abraço!
Elias de França
+++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++
Isis Celiane disse...




Parabéns ao Elias: amigo, poeta, compositor, dramaturgo, artista plástico, pedagogo e fiscal da SEFAZ... rsrsrs. Você cumpre bem todos estes papéis, o de amigo especialmente.
Celi.
Sexta-feira, 08 Julho, 2011

Muito obrigado, Querida! Constar da sua lista de amigos é para mim um grande privilegio!
Grande beijo!
Elias

quinta-feira, 7 de julho de 2011

Cantilena à Princesa

Cantilena à Princesa

Foste em teu calor escaldante e sol brilhante, uma quimera...
agora, alvorecendo, empunhar raios do teu brilho eu quisera,
como os brutos diamantes te lapidam e burilam...
uns instigam a tua vinda, outros duvidam que tu hás de nascer,
limitados em mente não percebem ainda que tu já veio;
desce sobre o Alto as inspirações das Musas enquanto...
a flauta ou os pífanos soam ao teu anúncio que é constante como a luz estrelar;
de imediato, o vento vindo do Oeste sopra um ralho arrebatador
e, os ouvidos se aguçam para compreenderem a melodia da natureza!

Porém, os ventos nos trazem nuvens de todas as partes,
regozijam-se os pássaros; os colibris da Caatinga agora têm néctares a sugar;
identifica-se a exuberância de tuas matas no inverno duradouro ou passageiro
no momento em que se recolhe e se exibe como seca ou como esverdejante;
com isso deduzem que tu renova-se a cada tempo;
e as gotas do céu formam notas que se entremalham nas vozes das aves,
se pudéssemos então perceber, neste momento a água transpassando a terra...
aí, veríamos a beleza da Criação, gerando vida, luz e saber!

diante de tanta majestade, no decorrer de tantas lutas, de sonhos...
o orgulho vitorioso não o desdenhoso, brota em nosso seio!

Os campos não somente iluminados pelo Sol e sim pela Tocha do saber,
entram com as mais belas variações de cactos que compõem nossa paisagem;
se os poetas antigos aqui vivessem, (e vivem), também sentiriam todo este clímax...
também enxergariam o veludo verde que tu, como concreta e majestosa se veste
e é por isso que as línguas dos poetas e dos músicos te chamam Princesa do Oeste!

Éricson Fabrício
(Educador e Poeta)

terça-feira, 5 de julho de 2011

Canivete

Um afiado canivete talhou em duas
a vida que era una, trina, múltipla.
Uma foto decepada na parede ficou,
num sinal difuso, afeito vil afronta.

O canivete apagou como borracha
o que antes eram os passos a indicar
meu território e meu exato domínio que
se desfez, qual aquáticas  bolhas de ar.

Degolou-me no instante que irrompia.
Dilacerou-me quando uma luz inexistia,
logo quando os revoltos olhos almejavam
o que sempre apetece ser neste subsistir.

Resvalo desfalecendo tal pesado fardo,
desde que a fina lâmina degringolou-me,
e na meia fotografia uma nodosa gravura
sangra e chora, feito meu inexistente ser.

Raimundo Candido

segunda-feira, 4 de julho de 2011

                                          
                                           “Ô de casa”
                                           “Ô de fora” 

As residências estão habitadas de medos.
As câmeras de segurança desconfiam de qualquer pessoa. Alarmes estão prontos para delatarem assaltos. As guaritas blindadas procuram suspeitos. Cingindo a residência, cercas elétricas armazenam o choque fatal. O interfone não permite olharmos a cor dos olhos da irritada voz feminina perguntando: o que é? Cães pit bull latem apetitosos por ataques mutiladores.
Os extensos muros de pedra dos luxuosos condomínios residênciais difundem a rusticidade dos castelos medievais, que protegiam seus moradores dos povos invasores. Nesses condomínios – será que eles já possuem passagens subterrâneas? – cada inquilino soma às suas necessidades de defesa, outros equipamentos de segurança: portas e janelas gradeadas, assemelhando-se a celas prisionais.
Vizinhos não conversam mais. As cadeiras, que pertenciam às calçadas embalando as conversas de boca de noite, hoje são imoladas pela TV.
As ruas estão habitadas de ausência de crianças. Tanta coisa a fazer. Tanta conversa. Tanta novidade. Elas não brincam mais de bila, de triângulo, de peteca. Não existem mais as rodas de meninos trocando figurinhas de álbuns. Todos estão nos majestosos condomínios, algemando-se ao computador.       
As residências de hoje são solitárias, lado a lado.
Sempre inventamos novas maneiras de errar.
Lastimável o ontem não ser para sempre. Casas de portas abertas aos ventos. Janelas escancaradas acolhendo a luz da alvorada. Muretas permitindo olhares para as azaléias, buganvílias e violetas nos jardins. Liberdade! Assim eram as casas da minha infância. Quando alguém chegava, batia palmas, se anunciando: “Ô de casa”. Da cozinha cheirosa de temperos, vinha a resposta: “Ô de fora”.
 Mesmo não sabendo quem era. 

Silas Falcão, autor do livro de crônicas Por quem Somos?

Isis Celiane disse...


O nome de tudo isso é solidão. Triste constatar que essa necessidade de proteção isolou, com grades e cercas elétricas, não apenas as casas, mas sobretudo o homem.
Parabéns ao colega por verdades ditas de forma tão bonita e poética.
Segunda-feira, 04 Julho, 2011

domingo, 3 de julho de 2011

Um offício da Villa              

Desde lá, que se perdem as esporas,                        
o incitamento, a marcha, o júbilo.
Aqui, subtrai-se o bridão, o estribo.
E nunca mais se reverenciou Oeiras.         

Nem o calor do sopro monárquico            
reina mais na remota Príncipe imperial,
a poeirenta Villa, que nunca se dobrou,
nem ao ferro nem ao fogo da lei.

Como aquelas lendárias Sabinas,               
as desejadas mulheres  romanas,
as  filhas alheias daqui, também
se raptam, armados de clarinetes.

A despeito das ordens terminantes,
facínoras  completamente soltos
cavalgam. Ainda agora passeiam,
a olhos vistos das autoridades.

Raimundo Candido